terça-feira, 27 de outubro de 2009

TIPO DE CONHECIMENTOS

Elziane Nascimento, 2008.

Existe quatro tipos de conhecimento sendo:

  • Conhecimento Popular: este conhecimento popular é valorativo pois, se baseia em emoções, é reflexivo pois, se volta sobre si mesmo, baseia-se na organização particular de experiência, é verificável, desrespeito ao que se vive no dia-a-dia;

  • Conhecimento filosófico: O conhecimento filosófico é valorativo baseia-se em hipóteses, porém hipóteses filosóficas emergem da experiência e não do experimento, por isso é não verificável, Racional: pois consiste de um conjunto de enunciados logicamente correlacionados Sistemático: pois suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada Infalível e Exato: pois suas hipóteses não são submetidas a um teste decisivo ou experimento;

  • Conhecimento religioso (Teológico): O conhecimento religioso (Teológico) é muito valorativo, pois contém proposições sagradas, é Inspiracional, pois suas proposições foram reveladas do sobrenatural, e por esse motivos são consideradas infalíveis e exatas é sistemático, pois é obra de um criador divino, por isso também são não verificadas; e

  • Conhecimento Cientifico: é real ou factual, porque lida com ocorrências e fatos, isto é, com toda forma de existência que se manifesta de algum modo, é contingente, pois suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação, e não apenas pela razão como ocorre no conhecimento filosófico, é sistemático, já que se trata de um saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias ou teorias, é verificável, pois existe experimento (quando as hipóteses não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência), falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final, por esse motivo, é aproximadamente exato, uma vez que novas proposições podem ser formuladas da teoria existente e principalmente é útil por que sua objetividade, na busca na verdade, cria ferramentas de observação e experimentação que lhe conferem um conhecimento adequado das coisas e é útil também pois mantém a ciência em conexão com a tecnologia, pois todo avanço tecnológico suscita problemas científicos.


Assim, a ciência é acumulação de conhecimentos sistemáticos, é a atividade que se propõe a demonstrar a verdade dos fatos experimentais e suas aplicações práticas, é o conhecimento certo do real pelas suas causas, é a forma sistemática e organizada de pensamento objetivo, e é principalmente o estudo de problemas solúveis, mediante método científico. O método científico surgiu como uma tentativa de organizar o pensamento para se chegar ao meio mais adequado de conhecer e controlar a natureza. Já no fim do período do Renascimento, Francis Bacon pregava o método indutivo como meio de se produzir o conhecimento. Este método entendia o conhecimento como resultado de experimentações contínuas e do aprofundamento do conhecimento.

Como fazer uma resenha (critica)?



CONCEITO E FINALIDADE

Lakatos e Marconi (1996, p. 90) afirmam que:

Resenha é uma descrição minuciosa que compreende certo número de fatos. Resenha crítica é a apresentação do conteúdo de uma obra. Consiste na leitura, no resumo, na crítica e na formulação de um conceito de valor do livro feito pelo resenhista.

A resenha crítica, em geral é elaborada por um cientista que, além do conhecimento sobre o assunto, tem capacidade de juízo crítico. Também pode ser realizada por estudantes; nesse caso, como um exercício de compreensão e crítica.


A finalidade de uma resenha é informar o leitor, de maneira objetiva e cortês, sobre o assunto tratado no livro ou artigo, evidenciando a contribuição do autor: novas abordagens, novos conhecimentos, novas teorias. A resenha visa, portanto, a apresentar uma síntese das idéias fundamentais da obra.


O resenhista deve resumir o assunto e apontar as falhas e os erros de informação encontrados, sem entrar em muitos pormenores e, ao mesmo tempo, tecer elogios aos méritos da obra, desde que sinceros e ponderados. Entretanto, mesmo que o resenhista tenha competência na matéria, isso não lhe dá o direito de fazer juízo de valor ou deturpar o pensamento do autor.

Requisitos Básicos para elaboração de uma resenha crítica:

a) “conhecimento completo da obra”;
b) competência na matéria;
c) capacidade de juízo de valor;
d) independência de juízo;
e) correção e urbanidade;
f) “fidelidade ao pensamento do autor” .

Importância da Resenha

No campo da comunicação técnica e científica, a resenha é de grande utilidade, porque facilita o trabalho do profissional ao trazer um breve comentário sobre a obra e uma avaliação da mesma. A informação dada ajuda na decisão da leitura ou não do livro.
A resenha, segundo BARRASS (1979:139), deve responder a uma série de questões. Entre elas figuram:

a) assunto, características, abordagens;
b) conhecimentos anteriores, direcionamentos;
c) acessível, interessante, agradável;
d) útil, comparável;
e) disposição correta, ilustrações adequadas.


Estrutura da Resenha

Mesmo não fazendo parte dos trabalhos científicos de primeiro nível, a resenha crítica apresenta a estrutura descrita abaixo.

1. Referência Bibliográfica

Autor(es)
Título (subtítulo)
Imprensa (local da edição, editora, data)
Número de páginas
Ilustrações (tabelas, gráficos, fotos, etc.)



2. Credenciais do Autor

Informações gerais sobre o autor
Autoridade no campo científico
Quem fez o estudo?
Quando? Por quê? Onde?


3. Conhecimento


Resumo detalhado das idéias principais
De que trata a obra? O que diz?
Possui alguma característica especial?
Como foi abordado o assunto?
Exige conhecimentos prévios para entende-lo?


4. Conclusão do Autor

O autor faz conclusões? (ou não?)
Onde foram colocadas? (final do livro ou dos capítulos?)
Quais foram?



5. Quadro de Referências do Autor

Modelo teórico

Que teoria serviu de embasamento?
Qual o método utilizado?



6. Apreciação

a) Julgamento da obra:

Como se situa o autor em relação:

- às escolas ou correntes científicas, filosóficas, culturais?
- às circunstâncias culturais, sociais, econômicas, históricas, etc.?

b) Mérito da obra:

Qual a contribuição dada?
Idéias verdadeiras, originais, criativas?
Conhecimentos novos, amplos, abordagem diferente?

c) Estilo:

Conciso, objetivo, simples? Claro, preciso, coerente?
Linguagem correta? Ou o contrário?

d) Forma:

Lógica, sistematizada?
Há originalidade e equilíbrio na disposição das partes?

e) Indicação da obra

A quem é dirigida: grande público, especialistas, estudantes?

Prof. waldemar Neto
COMO SE FAZ UMA RESENHA?



1. DEFINIÇÃO

Inicialmente é preciso definir o termo “resenha”. Fazer uma resenha é o mesmo que fazer uma recensão (que significa apreciação breve de um livro ou de um escrito), ou seja, trata-se de resumir de maneira clara e sucinta um livro, artigo ou qualquer tipo de texto científico.
Embora o texto a ser resenhado tenha um/a autor/a, o/o recenseador/a deve ser o/a autor/a do seu trabalho; quer dizer, é preciso manter a identidade de quem escreveu o trabalho que você está analisando, mas é preciso transparecer a sua presença, como voz crítica sobre o texto.
Resenhar significa resumir, sintetizar, destacar os pontos principais de uma obra científica.
Resenhar significa resumir, sintetizar, destacar os pontos principais de uma obra científica.


2. PROCEDIMENTOS

1o Passo - Leitura total da obra a ser resenhada;
2o Passo - leitura pormenorizada, fazendo os destaques da partes mais significativas, que servirão de fio condutor para elaboração do texto da resenha;
3o Passo - elaboração de um esquema com as principais etapas a serem desenvolvidas pela resenha;
4o Passo - construção do texto propriamente dito;
5o Passo - revisão do texto, correção e aprimoramento.


3. NECESSIDADES

Toda resenha deve ser o mais bem identificada possível, daí as seguintes necessidades:
3.1. cabeçalho contendo o nome da instituição de ensino, título da resenha com identificação do texto resenhado, autor/a da resenha, objetivo do trabalho, local e data.
3.2. Texto dissertativo contendo: introdução, corpo principal do texto e conclusão com apreciação crítica.



3.3. Bibliografia.

4. DICAS IMPORTANTES

· A recensão deve cumprir um objetivo claro: comunicar ao leitor os aspectos essenciais da obra em questão e situá-lo no assunto da melhor maneira possível. Lembremo-nos de que, no método Descartes, a 1ª regra é a evidência, i.e., o dado inicial, que tem de ser claro, ordenado e distinto, ou seja, o critério cartesiano da verdade é a clareza e a distinção. Em concreto, Descartes parte de uma dúvida universal (metódica), para, entretanto, superá-la criticamente na conquista da verdade.

· A forma da resenha, isto é, o texto deve ser claro, inteligível e dinâmico. O/A leitor/a deve ter prazer nesta leitura e deve sentir-se convidado/a à leitura do texto resenhado. Para isso, é imprescindível o uso das normas padrão da língua portuguesa.

· Caso haja necessidade de citação do próprio texto resenhado, isso deve ser feito entre aspas e/ou em destaque. Sempre deve haver referência bibliográfica.

· Por vezes, é interessante fazer uma pesquisa mais abrangentes sobre o/a autor/a do texto resenhado, sobre o assunto em questão e sobre a situação atual da pesquisa científica sobre o tema. Esses esclarecimentos, quando convenientes, devem abrir a resenha e preparar o comentário sobre o texto em pauta.

5. APRESENTAÇÃO GRÁFICA

· Papel A4 (210x297)
· Corpo do texto:
· margens: superior 3 cm, inferior 2cm, margem direita: 3cm e margem esquerda: 2cm;
· caracteres (fontes): “Times New Roman”, tamanho 12;
· títulos e subtítulos: no mesmo tamanho, em negrito e/ou sublinhado;
· espaçamento: no texto: 1,5 ; na bibliografia: simples.
· Bibliografia


Observa-se o seguinte critério de citação, de acordo com os padrões de Normas Técnicas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas):


SOBRENOME, Nome do autor. Título da obra. Subtítulo. Edição. Cidade (local da publicação; quando houver duas cidades, separa-se com barra: /): Editora (quando houver mais de uma editora, separa-se por barra: /), ano da publicação e páginas citadas.

Ex:

BEAINI, Thais Curi. Heidegger: arte como cultivo do inaparente. SP: EDUSP/Nova Stella, 1986.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Estudo de Caso

André Gonçalves
Elziane Nascimento
Érica do Mar
Hélio Azevedo
Joabe morais
Lourival Farias
Raimundo Couto
Pena de reclusão


Primeiro Processo


Até 04 anos, reincidente, pode iniciar no fechado ou no semi-aberto (dependerá das condições do art. 59 CP).

Processo: 2007.2.001391-7


Ação: Crime/C/ Patrimônio em 20/08/2007

vitima: Lucirene Soares da Silva

Denunciado: Romaildo da Silva

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia da Drª.Promotora de justiça, às fls.02, e condeno o réu Romaildo da Silva, já qualificado na denúncia, como incurso nas penas do art. 157, “caput”, c/c art.14, inciso II, todos do Código Penal Brasileiro (...).Em virtude da incidência da causa de diminuição de pena constante no art. 14, inciso II, parágrafo único, do CP, visto tratar-se de crime tentado , diminuo a pena em 1/3 (um terço) passando a ser 04(quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias de multa, arbitrados estes em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato corrigido monetariamente, que a torno definitiva diante da inexistência de circunstâncias agravantes, bem como de causas de aumento de pena. O regime inicial de cumprimento de pena é o FECHADO visto ser o réu reincidente (art.33,parágrafo 3º, do Código Penal). Por ter o réu ficado recluso durante toda a instrução probatória, bem como por possuir antecedente criminal e ser reincidente, entendo que o réu não poderá apelar em liberdade (art.594,CPP). O pagamento da multa ora imposta, deverá ser efetuada no prazo estabelecido no art. 50, do Código Penal (...) Ananindeua, 20 de agosto de 2007. Andréa Lopes Miralha, Juíza de Direito Titular da 5ª Vara Penal da Comarca de Ananindeua.



Avaliação do grupo:

No caso em análise,o Juiz concedeu ao acusado a diminuição de sua pena, consoante no art. 14,II, parágrafo único do CP, em 1/3, por ter havido apenas uma tentativa, ou seja, o crime não foi consumado, não obstante, no momento do ato houve “desistência voluntária e arrependimento eficaz”. Destarte o mesmo iniciará o cumprimento de sua pena no regime fechado, visto que ele já possuía antecedente criminal, sendo portanto reincidente. No entanto, consideramos correto a atuação do Juiz, e achamos que ele aplicou corretamente a pena ao acusado.

Segundo Processo:

Pena superior a 04 anos até 08 anos, não reincidente, poderá iniciar no fechado ou semi-aberto.( dependerá das condições do art. 59 CP).


Processo :2006.2.000819-1

Ação: Crime /C/ Patrimônio em 20/08/2007


Indiciado: Milton Kleber Santos do Nascimento (Adv.DEFENSORIA PUBLICA)


Vítima: Delson De Jesus Pachaco

(...) Diante do acima exposto, e atendendo a tudo quando foi argumentado e demonstrado e o mais que consta dos autos, julgo procedente a denúncia de fls.02/03, para condenar Milton Kleber Santos do Nascimento, como incurso nas penas do art 157, inciso 2º, I e II, do CPB. Dosimetria Penal impõe-se a analise das circunstâncias judiciais contidas no art. 59 do CPB, assim disposta: 1)Milton Kleber santos do Nascimento- culpabilidade evidenciada, sendo bastante reprovável a conduta do agente, sem antecedentes criminais, nada existe sobre a conduta social do acusado .


Considero ainda a circunstância de ter havido prévio acordo de vontade do delinqüencial, contando o acusado com a ajuda do comparsa; a vítima em nada contribui para o evento; os motivos do crime não o favorecem; as circunstâncias do fato também não são favoráveis; conseqüências extrapenais não foram graves , a “ res furtiva” foi devidamente restituída à vitima; nada há a respeito de sua situação econômica.


Assim ,atento às circunstâncias analisadas, com base no art.157 do CPB, fixo a pena base de em 04 (quatro) anos de reclusão e 30 (trinta) dias multa sobre 1/30 do maior salário mínimo vigente ao tempo do fato. Inexiste atenuante e agravante. Considerando a causa de aumento do inciso 2º,I e II, do art. 157, do CPB, elevo a pena para 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 30(trinta) dias multa sobre 1/30 do maior salário mínimo da época do fato, que torno definitiva.


O regime inicial de cumprimento da pena será FECHADO, considerando os termos do art.59, II, c.c. o art.33, inciso 3º.,todos CPB.Face à gravidade do delito, não concede ao réu o direito de recorrer em liberdade. Determino seja o nome dos réus lançados no rol dos culpados, após o transito em julgado (art. 393,II,CPP, e 5º,LVII, CF). Procedam-se às comunicações de estilo.P.R.I.C.


Ananindeua, 20 de agosto de 2007. Wilson de Sousa Corrêa. Juiz de Direito respondendo pela 9ª Vara Penal.



Avaliação do grupo:

O Juiz de Direito Wilson de Sousa da 9ª Vara Penal aplicou corretamente a pena em Milton Kleber por ter utilizado–se do art. 59 do CP, e com base no art. 157 do CPB, por o indiciado não ter antecedentes criminais, e nada consta sobre a sua conduta social, recebeu a pena de 04 anos de reclusão e 30 dias de multa. Devido Milton Kleber ter agido com a ajuda do comparsa, logo implica na elevação da pena como consta no art. 157,inciso 2º,II, CP, elevando a pena para 5 anos e 4 meses de reclusão e 30 dias de multa em inicialmente fechado.

Terceiro Processo



Processo: 1992.2.009413-8

Ação: Crime /C/ Patrimônio em 24/08/07

Indiciado: Mario Ricardo Nascimento de Oliveira

Vítima: Posto Telefônico Da Empresa Intel Coator.I.P.N. 284/92 –Dvgeral

Vistos etc...(...) isto posto, e por tudo o mais que consta nos autos, JULGO PROCEDENTE A PRETENÇAO PUNITIVA DO ESTADA deduzida na denúncia, CONDENAR o réu Mario Ricardo Nascimento de Oliveira , como incurso nas sanções punitivas do artigo 157, inciso, 2º, I, c/c art.14.inciso II do código Penal Brasileiro.(...) passando a pena privativa de liberdade para 04 (quatro) anos de reclusão e , a pena pecuniária para 16 (dezesseis) dias multa, que as torno em concretas e definitivas .(...) O regime inicial do cumprimento de pena pelo acusado Mário Ricardo Nascimento de Oliveira será o semi-aberto ,nos termos do art.33 inciso 2º , “b” do CP, na Colônia Agrícola “Heleno Fragoso”.(...)Fixo o dia –multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Vê-se que o acusado não tem direito a substituição de pena (art.44 do CPB) ou de concessão de sursis (art.77, caput, do CPB). Sem custas , vez que o réu foi defendido por Defensoria Pública . Proceda-se o calcúlo da pena de multa e o íntime para o pagamento em 10 dias (art.50 do CP). Certificando o transito em julgado, remeta-se ao Juízo das Execuções Penais os necessários documentos para as respectivas anotações, fazendo as devidas comunicações inclusive para efeitos de estatística criminal lançando-se o nome do réu Mario Ricardo Nascimento de Oliveira no Rol de Culpados . Por se encontrar em liberdade no decorrer da instrução processual , concedo ao réu o direito de apelar da sentença em liberdade. Oficie-se a Justiça Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos do réu (CF art. 15,III). P.R Intimem-se, pessoalmente, o acusado, o Ministério Público e a Defensoria Pública.


Avaliação do grupo:

No caso em estudo, o Juiz aplicou a pena do art. 157 inciso 2º,I, combinado com o art. 14, II do CPB. Onde o réu terá como pena 4 anos de reclusão e, a pena pecuniária para 16 dias de multa, onde o regime inicial de cumprimento de pena do acusado será o semi-aberto, consoante o art.33 inciso 2º ,”b” do CP. Porém o magistrado mesmo culpando o réu, concedeu ao mesmo o direito de apelar da sentença em liberdade, porque este respondeu todo o processo em liberdade. Não obstante percebe-se, na sentença, que o acusado não tem direito de substituição da pena ou concessão de jursis .


Malgrado o Juiz foi coerente em sua sentença ao proferir tal pena, pois do mesmo tempo que ele pune, conforme a lei o determina, em momento algum ele deixou de privar os direitos do apenado para qualquer recurso que este vier a recorrer. Portanto , achamos justo a aplicação da pena que foi concedido ao réu.

Quarto Processo:

Condenatória por Roubo com Furto
publicada em 30-06-2007, pela Dra. Suelvia dos Santos Reis

JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIME DA COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS – BAHIA


AUTOS Nº 142/98


S E N T E N Ç A


Vistos, etc.


João Santos de Jesus, vulgo “Urso”, qualificado nos autos, foi denunciado como incurso nas penas do art. 157, § 2º, inciso II do Código Penal, por haver, no dia 22 de junho de 1998, por volta das 12:00 horas, na Praça Padre Mateus, nesta cidade, juntamente com um indivíduo conhecido por Gilson, subtraído, mediante grave ameaça, utilizando-se de um instrumento não identificado, um relógio de pulso e duas sacolas da loja Roupa Nova, contendo várias peças de roupa e sapatos, pertencentes a Genivanda Rocha de Almeida Oliveira, sendo preso em flagrante delito.


Certidão, às fls. 38, de que existe outra ação penal contra o réu, por infração ao art. 157, § 2º do Código Penal, no qual foi sentenciado a cinco anos e quatro meses em regime semi aberto.


Recebida a denúncia, foi o acusado citado, qualificado e interrogado, sendo dada vista a defesa no dia 21/09/98 para apresentação de defesa prévia, que foi oferecida no dia 16/11/98.


Em sede de instrução, foram ouvidas a vítima e três testemunhas arroladas por cada parte.


As partes nada requereram na fase do art. 499 do Código de Ritos.


O Ministério Público, em suas alegações finais de fls. 104/105, reiterou os termos da peça vestibular e pugnou pela condenação do réu em consonância com a denúncia.


A defesa, por seu turno, nas razões de fls. 107/108 requereu a desclassificação do delito de art. 157, § 2º , inciso II do Código Penal para o crime previsto no art. 155, caput do mencionado diploma legal.


Vieram-me os autos conclusos.


É o relatório. Decido.


Segundo emana dos autos, no dia 22 de junho de 1998, por volta das 12:00 horas, o acusado, na Praça Padre Mateus, nesta cidade, juntamente com um comparsa, subtraíram, mediante grave ameaça, duas sacolas de roupa pertencentes a Genivanda Rocha de Almeida Oliveira, sendo o ora denunciado preso em flagrante delito, de posse de uma das sacolas, quando estava para pegar um moto táxi, por reconhecimento imediato da vítima, enquanto que o outro indivíduo, conhecido apenas como Gilson, vulgo “Antônio”, conseguiu evadir-se do local.


Na Delegacia de Polícia, o réu confessou a prática do crime, tendo, no entanto, negado a autoria, quando interrogado em Juízo. Inobstante isso, a autoria delitiva está comprovada através das declarações da vítima, a qual reconheceu o denunciado não só no momento em que o apontou para a Polícia Militar, bem como quando efetuou o reconhecimento fotográfico na Unidade Policial, conforme fls. 98 e verso, corroboradas pelos depoimentos testemunhais.


A testemunha, Derivan da Silva Azevedo, inquirido às fls. 60, disse que estava de serviço quando apareceu uma senhora informando ter sido assaltada por dois indivíduos que levaram-lhe duas sacolas de roupa, apontando ao depoente e ao seu colega o acusado como um dos autores do crime, no momento em que estava ele com uma das sacolas na mão para pegar um mototaxi; afirmou que a vítima reconheceu como suas as roupas contidas na sacola apreendida em poder do réu, à exceção de uma e mencionou que o acusado e seu cúmplice colocaram uma arma contra ela, não informando qual a espécie de arma.


Ricardo Santos Cabral, que também participou da prisão do denunciado, ouvido às fls. 61, declarou os mesmos fatos descritos por Derivan, acrescentando que a vítima comentou que tomaram-lhe a sacola “na tora” e que estavam com arma de fogo, embora não tivesse sido apreendida arma alguma em poder do acusado.


Finalmente, a vítima disse, às fls. 98 e verso, ouvida através de carta precatória:


“que no dia dos fatos descritos na denúncia tinha feito compras e estava na Praça Padre Mateus com duas sacolas; que dois indivíduos altos e escuros se aproximaram dela vítima e encostaram algo em sua cintura dizendo baixinho para somente ela ouvir que soltasse as duas sacolas senão morreria; que ela vítima obedeceu e os dois homens levaram as duas sacolas cada um com uma; que reconheceu os dois rapazes já montados em uma motocicleta e com camisas diferentes e só os reconheceu por causa da sacola”.


A materialidade da infração penal está positivada através dos autos de apreensão e de entrega da res furtiva, ou seja, uma sacola contendo roupas e um par de sandálias, apreendida em poder do réu, quando de sua prisão em flagrante delito, conforme autos de fls. 11 e 14, respectivamente.


No que concerne ao crime praticado, dispõe o Código Penal, em seu art. 157 que comete roubo quem subtrai coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de havê-la por qualquer meio, reduzido a impossibilidade de resistência.


Resta claro, no caso vertente, que a hipótese é de roubo e não de furto como pretende a defesa, uma vez que a diferença entre os ilícitos penais referidos é justamente a violência ou grave ameaça. A ora vítima descreveu em que consistiu a grave ameaça, que não significa exclusivamente emprego de arma. Foi a Sra. Genivanda ameaçada de morte por dois indivíduos que colocaram algo em sua cintura para que ela entregasse as sacolas que segurava; mesmo que não se trate de arma alguma, a simples menção de que eles a matariam caso não os obedecesse já seria e efetivamente foi o suficiente para intimidá-la e fazer com que cedesse entregando objeto de sua propriedade. Por outro lado, a grave ameaça foi praticada contra a pessoa, enquanto que no furto deveria ser contra a coisa.


O direito pretoriano entende que:


“Se há anúncio de assalto em circunstâncias capazes de configurar grave ameaça, independentemente da exibição de arma, é roubo e não furto”. (STF / RT 638/378).


“Ameaças verbais e simulação de porte de arma configuram roubo”(TACrSP/RJDTACr 24/89).


Do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para condenar João Santos de Jesus nas sanções do art. 157, § 2, inciso II do Código Penal.


Passo então a dosar-lhe a pena de acordo com as circunstâncias judiciais insertas no art. 59 do Estatuto Penal em cotejo com os subsídios existentes nos autos.


-O acusado é reincidente específico; não apresenta boa conduta social por fazer uso de substância entorpecente (maconha), inobstante as testemunhas de defesa informarem que ele ajudava a mãe no tabuleiro; possui personalidade voltada para o crime, já tendo sido preso mais de uma vez; o motivo do delito é a ganância em possuir algo mais, ainda que de pequeno valor; as circunstâncias em que o ilícito ocorreu não foram tão graves; a res furtiva foi de pequena monta e uma parte dela foi restituída a legítima proprietária; por fim, a vítima em nada contribuiu para a prática da infração penal.


Do exposto, fixo-lhe a pena base em cinco anos e seis meses de reclusão; inexistem circunstâncias agravantes e atenuantes; aumento a pena em um terço face a causa de aumento decorrente do concurso de duas pessoas; não há causa de diminuição da pena, que torno definitiva em sete anos e quatro meses de reclusão, em regime semi aberto, a ser cumprida na Colônia Penal Lafayete Coutinho, na cidade Salvador. Fixo a pena de multa em cinquenta dias multa, de acordo com as circunstâncias supra analisadas, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato, em decorrência da situação econômica do réu.


Por ser reincidente, mantenho-o na prisão em que se acha.


P. R. I. Oficie-se a autoridade policial, para os devidos fins.


Transitada em julgado, lance o cartório o nome do réu no rol dos culpados, expeça-se a guia de recolhimento, dando-se vista ao MP e retornem-me conclusos.


Santo Antônio de Jesus, 28 de agosto de 2000.
SUÉLVIA DOS SANTOS REIS MEHMERI JUÍZA DE DIREITO


Avaliação do grupo:


A juíza foi coerente ao aplicar a pena ao réu, com base nas circunstâncias analisadas, foi justa a pena aplicada ao delinquente porque o mesmo é reicidente e, pelo fato do réu não ter boa conduta social, pois a conduta dele é voltada para o crime, e pelo ato que ele praticou que é irrelevante para a sociedade, por ele ter cometido ameaças e etc.



Análise do artigo 202 ao 207 do Código Penal Brasileiro

INVASÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, COMERCIAL OU AGRICOLA. SABOTAGEM


Art. 202 - Invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.


1.introdução


Os delitos de invasão de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola e sabotagem estão previstos no art. 202 do CPB.


Posso destacar os seguintes elementos:


a) A conduta de invadir ou ocupar;
b) Estabelecimento industrial, comercial ou agrícola (é onde são desenvolvidas as respectivas atividades);
c) Especial fim de agir, consubstanciado na finalidade de impedir ou embaraçar curso normal do trabalho (impedir tem sentido de evitar o início ou interromper as atividades iniciadas. Embaraçar diz respeito a perturbar, atrapalhar, causando algum tipo de transtorno que impeça o normal funcionamento da atividade que estava sendo exercida naquele estabelecimento).


2. classificação doutrinária


É comum porque o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, uma vez que somente o proprietário ou a figura nessa condição seja do seguimento, industrial, agrícola ou comercial pode configurar-se como sujeito passivo, ainda que a sociedade como um todo possa também ser atingida, com pratica de delito ;

doloso; formal, ou seja, não se exige que o agente produza o resultado por ele pretendido para efeitos de reconhecimento da consumação, no entanto, poderá ser praticado via omissão imprópria na hipótese do agente gozar do status de garantidor, p.ex., sabotagem.


3.Objetividade material e bem juridico tutelado

Tutela-se a organização do trabalho, ou seja, são patrimônios e a liberdade de trabalho. O bem material é o estabelecimento de trabalho, seja ele agrícola, comercial, industrial ou as coisas nele existente, p.ex., o maquinário.


4. elementos objetivos do tipo

É invadir o estabelecimento comercial, tendo como intenção impedir ou atrapalhar o ritmo normal do trabalho ou danificar o estabelecimento e as coisas nele existente.


5. elementos subjetivos do tipo

Não existe a modalidade culposa neste elementos, somente a dolosa. A Tentativa, é admissível, particularidade que é competência da Justiça federal, pois envolve interesse coletivo e o momento consumativo que ocorre no momento da invasão ou ocupação.


6. modalidade comissiva e omissiva

Invadir ou Ocupar pressupõe comportamento comissivo por parte do agente. Poderá ser praticado via omissão imprópria quando o agente, garantidor, dolosamente, podendo, não atuar no sentido de impedir a prática da infração penal.


7. pena,ação penal e suspensão condicional do processo


A ação penal é de iniciada pública incondicionada.
Será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo, conforme disposto no art. 89 da Lei nº 9.099/95, tendo em vista a pena mínima cominada.


Frustração de Direito Assegurado Por Lei Trabalhista.


O crime de frustração de direito é assegurado por lei trabalhista no art. 203 que consiste em:
Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência.


"§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;


II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental."

Conceito

Os direitos dos trabalhadores vieram sendo construídos e conquistados ao longo dos anos . Desde as primeiras leis que surgiram no final do século XX, até os atuais dias de hoje, tem-se procurado elaborar normas que, efetivamente, os protejam da fúria capitalista.O art. 203 do Código Penal procurou protegê-los, proibindo, mediante uma sanção de natureza penal, qualquer tipo de frustração, praticada com emprego de fraude ou violência, a direito assegurado pela legislação do trabalho.


Cuida-se, portanto, de norma penal em branco, cuja fonte de consulta obrigatória, para que o intérprete compreenda o conteúdo da proibição, será a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como qualquer outra lei que, de alguma forma, tenha assegurado algum direito dessa natureza. No entanto, poderá ser o delito praticado via omissão imprópria quando o agente garantidor dolosamente, podendo, não atuar no sentido de impedir a prática da infração penal.
Faremos uma análise de cada um dos incisos mencionados isoladamente.


- Obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida.


Os meios de comunicação tem noticiado, com muita freqüência, a situação de trabalhadores que, em virtude de divídas contraídas com seus empregadores, ficam impossibilitados de se desligarem de seu serviço. Na verdade, são obrigados a contrair tais divídas em virtude de muitas vezes, do lugar onde prestam seus serviços, situados, quase sempre, em locais distantes dos centros urbanos. Devida a falta de opção, por exemplo, não tendo o que comer, beber ou vestir, encontram-se na contingência de adquirir os produtos básicos de seus próprios empregadores, por preços bem superiores ao praticado pelo mercado. São explorados por capitalista desumanos e cruéis, sendo que trabalham, basicamente, para se alimentar, e vivem em condições precárias.


Porém, a expressão usar mercadorias de determinado estabelecimento exige uma habitualidade, ou seja, a pratica reiterada do comportamento. O núcleo obrigar deve ser entendido no sentido de tornar obrigatório, ou seja, impedir que a pessoa tenha opção para utilizar mercadorias existentes em outros estabelecimentos.


A coação mencionada pelo dispositivo em exame pode ser tanto a física quanto a moral.

- Impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais


Pela análise do inciso II do § 1º do art. 203 do Código Penal, verificaremos duas modalidades de comportamento que importa m na prática da infração penal.


A primeira diz respeito ao fato de o agente impedir alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza mediante coação.Nesse caso, o sujeito, valendo-se de coação física ou moral, não permite que a vítima se desligue do seu serviço. Pode ser concebido como uma modalidade especial de constrangimento ilegal, tendo a coação como seu meio executivo.


Na segunda hipótese, o crime se caracteriza quando o agente, também com a finalidade de impedir que alguém se desligue de seus serviços, não importando a sua natureza, retém, não entrega, não devolve, sonega documentos pessoas ou contratuais de interesses da vitima com a finalidade de que a vitima continue a prestar serviços contra a sua vontade. Isso porque a retenção de documentos normalmente causa ao interessado inúmeros problemas, principalmente para a obtenção de novo emprego, tornando-se o fato, assim, uma espécie de constrangimento ilegal contra o empregado em atentado à sua liberdade de trabalho.


Bem Jurídico Tutelado: Os bens jurídicos protegidos são os direitos, seja do empregado ou do empregador, assegurados pela legislação trabalhista.


Sujeito Ativo

Poderá ser o empregador, o empregado ou qualquer outra pessoa, uma vez que o tipo penal não exige nenhuma qualidade ou condição especial, tratando-se, pois, de crime comum. Porém, segundo doutrina, não é necessário que haja relação de emprego entre o sujeito ativo e a vitima, embora isso seja o mais comum.


Sujeito Passivo


É aquele que se vê lesado, frustrado no seu direito trabalhista, podendo ser tanto o empregador quanto o empregado. Pode ocorrer que a violência seja praticada contra terceiro, sendo este também vítima do crime.


Elemento do Tipo


Tipo Objetivo


Consiste em frustrar, isto é, privar, direito assegurado pela legislação do trabalho. Prática o crime quem age com violência física (excluí a grave a grave ameaça) ou fraude (qualquer meio idôneo para induzir ou manter alguém em erro).


A conduta é, por meio de violência ou fraude, impedir que o sujeito passivo veja satisfeito direito que lhe confere a legislação do trabalho (estabilidade, seguro, proteção à maternidade, férias etc). o art. 203 é, assim, norma penal em branco, preenchida pelas leis referentes ao trabalho.



Configura-se o crime:

No despedir empregado imediatamente, adiantando-se ao término do aviso-prévio com o fito de pagar-lhes as indenizações própria na base do salário de menor e não daquele a que , por direito, o empregado viria a perceber dentro do próprio prazo do aviso a se expirar quando já teria completado a maioridade (RT 254/ 392);


Cite-se também como exemplo da configuração desse crime a conduta de obrigar os empregados a assinarem pedido de demissão dando plena quitação (RT 378/308) ou então realizar o pagamento de salário inferior mínimo legal, mas fazendo com que os empregados assinem recibo de valor igual ao salário mínimo.


A lei distingue entre direitos remuneráveis e irremuneráveis (RTJ 56 / 600) e se tratando, de direito renunciáveis, o empregado poderia legalmente abrir mão deles, e desnecessário seria o uso, pelo empregador, dos meios fraudulentos.


Apesar do que já foi exposto, já se decidiu que, sendo direito irrenunciáveis, não é possível o crime quando o fato se refere à estabilidade (RT 229 / 415) e ao salário mínimo (RT 203 / 422).


Também já se estendeu que, “se as vitima aceitarem, livre e conscientemente, a condição que lhes foi proposta pelos réus ao serem admitidas como suas empregadas, a de receberem salário inferior ao de direito assegurado em lei trabalhista” (RT 370/80,338/311, embora exista decisões em sentido contrario (RT 312/332).


De qualquer forma, se não constituísse crime o pagamento salarial abaixo do mínimo fixado em lei, a fraude posta em prática pelo empregador para desfigurar aquela insuficiência remuneratória, com o falso preenchimento de documentos exigidos dos empregados, a fim de dar aparência legal ao que ilegalmente estava sendo feito, configura, em tese, os delitos dos art.203,299 doC.P. (RT 378/182).


Forma Culposa: Não se admite a modalidade culposa.


Assim, aquele que,negligentemente, deixar de conceder, por descuido, algum direito assegurado pela legislação trabalhista, não incorrerá na infração penal sub exame.


Tipo subjetivo

O delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista somente pode ser praticado dolosamente , o dolo é a vontade de frustrar o sujeito passivo em seu direito trabalhista, ciente de emprego de violência ou fraude.


Consumação: Consuma-se o delito no momento em que a vítima é impedida de exercer, usar ou gozar do direito assegurado pela legislação do trabalho.


Tentativa: É possível.


Majoração da Pena


O §2º foi acrescentada ao art.203, com a lei n.9.777 / 98, foi criada uma forma qualificadora para todos os ilícitos previstos no art.203 e seus parágrafos do CP.


Cuja redação é a seguinte: “A pena é aumentada de um sexto a um terço se quando a vitima é menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental”.


A conduta do agente nessas circunstancias é mais censurável, uma vez que, para praticar o crime, ele se aproveitou da menor (ou ausente) capacidade de discernimento ou resistência da vitima. Ofendidos que, pela menor possibilidade de resistência à prática das condutas incriminadoras, merecem maior proteção. Citarei o posicionamento de alguns doutrinadores quando o aumento de pena se tratar de pessoa idosa:


Quanto à pessoa idosa, não tendo fixado a lei penal o limite de idade, para Mirabete “cabia ao juiz, no caso concreto, aferir essas circunstãncias”.


Já para Damásio “nem sempre a idade da vitima representa, por si só, circunstâncias capaz de exasperar a pena. É possível que tenha mais de sessenta anos de idade e seja portadora de condições físicas normais. É o caso de trabalhadores braçais de idade avançadas que também são esportistas. Ex.: competidores da corrida de São Silvestre (São Paulo). De modo que o reconhecimento da circunstância depende da consideração de que a vitima, no caso concreto, sendo fisicamente fraca, não possui capacidade de resistência à agressão de seus direitos ensejando a maior reprovação da conduta. Censurabilidade que decorre do conhecimento por parte do agente da menor capacidade física da vitima”.


Porém, para Rogério Greco “Para que a referida causa de aumento de pena seja aplicada ao agente, será preciso comprovar nos autos o seu conhecimento no que diz respeito à idade da vitima, pois, caso contrário, poderá ser alegado, por sua parte, o chamado erro de tipo”.


Mas não poderá negar-se a incidência de causas de aumento de pena quando a vitima for maior de 70 anos, considerada que é esta em outros dispositivos legais (art.77,§ 2º, e 115 do CP).


Mas qual a idade mínima para ser considerado como idoso?


Com a vigência da Lei nº 10.741,de 1º/ 10/ 2003, porém, a pessoa idosa é definida como a que tem idade igual ou superior a 60 anos (art.1º), estando este limite agora referido em diversos dispositivos do Código Penal (arts. 61,II,h,,§4º, 133,§3º,III etc.).


Ação Penal: trata-se de ação penal pública incondicionada.


Por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, incidem as disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais, inclusive o instituto de suspensão condicional do processo (art. 89 da lei 9.099/95). Já se tratando, de competência para julgar a ação penal, é pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que nos crimes contra a organização do trabalho a competência é da Justiça Estadual quando a lesão for individual, e da Justiça Federal, quando a lesão atingir a categoria profissional como um todo.


Concurso de Crimes

Se houver emprego de violência contra a pessoa, responderá o agente pelo crime em estudo em concurso material com um dos crimes contra a pessoa (homicídio, lesões corporais).


FRUSTRAÇÃO DE LEI SOBRE A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO

Art. 204. Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho


Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.


Objeto Jurídico – A nacionalização do trabalho.


Norma Típica Incompleta – Trata-se de norma penal em branco. Cabe ao direito trabalhista especificar as obrigações relativas à nacionalização do trabalho.


Sujeito Ativo – Pode ser qualquer pessoa. Em regra é o empregador. Nada obsta, entretanto, que o empregado ou terceiros realizem a conduta.


Sujeito Passivo – É o Estado.


Violência – trata-se de violência física. Já a moral (grave ameaça) não está prevista.


Elemento Subjetivo do Tipo – Só admite a modalidade dolosa.


Momento Consumativo – Ocorre com a efetiva frustração da lei que disponha sobre a nacionalização do trabalho.


Tentativa – É admissível.



EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA.

Art. 205. Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
Para Damásio de Jesus (CODIGO PENAL Anotado, p.608) atividade deve ser
entendida como trabalho, profissão.


Tipo Objetivo

Trata-se de crime habitual que se configura no exercer, desempenhar, praticar, exercitar atividade de que está proibido por suspensão, cancelamento e cessação de licenças e faculdades do Ministério do Trabalho ou de qualquer outro órgão da administração pública que regula ofício, arte ou profissão, inclusive os de organização profissional. Caso a atividade venha em detrimento de serviço e interesse da União, a competência é da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF).


Objeto Jurídico

É o interesse do Estado no cumprimento de decisões administrativas relativas às atividades por ele fiscalizadas.


Sujeitos do Delito
Sujeito ativo: A pessoa impedida por decisão administrativa de exercer a atividade. Pratica o crime qualquer pessoa que viola decisão administrativa, exercendo atividade que lhe é proibida, trata-se de crime próprio.

Sujeito passivo: é o Estado,pois ele é o titular do interesse na execução das decisões administrativas. Pois ele tem interesse que as suas decisões sejam fielmente cumpridas por aqueles que se sujeitam a elas.


Conduta Típica

Consiste na reiteração de atividade da qual o sujeito esteja impedido por decisão administrativa.


Atividade, Exercício e Habitualidade


Atividade deve ser entendida como trabalho, profissão. O seu exercício implica uma repetição de atos próprios de determinada profissão, exigindo-se habitualidade.


Impedimento

É necessário que o sujeito se encontre impedido de exercer a atividade por decisão administrativa. Tal decisão deve emanar de órgão que tenha competência para proferi-la. Se a decisão administrativa que impediu o sujeito de exercer determinada atividade se encontra pendente de nova decisão provocada por força de recurso administrativo interposto pelo interessado, depende do efeito do recurso interposto. Se tiver o efeito suspensivo, o exercício da atividade não tipificará o delito; se o recurso não tiver o efeito suspensivo, haverá crime.


Tipo Subjetivo

O dolo é a vontade de exercer a atividade, ciente o agente de que ela lhe está vedada por decisão administrativa.


Momento Consumativo

Ocorre com a reiteração de atos próprios da conduta da qual o sujeito se encontra impedido. Tratando-se de crime habitual, a prática, pelo agente, de um só ato não configura o delito, que só se consuma com a sua repetição.


Tentativa: não é admissível a forma tentada, uma vez que se trata de crime habitual.


Ação Penal: trata-se de ação penal pública incondicionada.


Aliciamento para o fim de emigração

O artigo 206 do código penal brasileiro discorre sobre o crime de aliciamento para o fim de emigração, quando diz que é crime recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro, estipulando a pena de detenção que varia de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.


Bem Jurídico Tutelado

Tutela o interesse do Estado na permanência dos trabalhadores brasileiros nos pais,já que não havendo superpopulação, não lhe interessa a emigração. Esta pode prejudicar o desenvolvimento regular da produção e do comercio nacionais e a própria ordem econômica do país.


Tipo Objetivo

A conduta típica não é mais “aliciar”,como no artigo anterior, mas “recrutar”, que , como sentido semelhante, exige a iniciativa do agente para atrair ,seduzir ou angariar trabalhadores (no mínimo três) para fim de emigração. Exige a lei , agora, que haja, fraude, ou seja, que o agente induza ou mantenha em erro os trabalhadores, por exemplo, com falsas informações ou promessas, convencendo-os a levá-los para territórios estrangeiro. Não ocorre o ilícito, portanto, no agenciamento de trabalhadores quando não é empregado qualquer artifício , ardil ou algum meio fraudulento, tendo ficado descriminalizada tal conduta (abolitio criminis). De outro lado, não é necessário que o convencimento se dê para a emigração (saída do país com ânimo definitivo ou, ao menos, por largo espaço de tempo); basta que sejam os trabalhadores induzidos a ir para território estrangeiro.


Tipo subjetivo

O dolo do crime de recrutamento de trabalhadores é a vontade de atraí-los para a sua transferência para outro país. Exige-se, porém, que o agente queira iludir os trabalhadores por meio de fraude, para induzi-los ou instigá-los a ida para outro país.


Sujeito ativo: Pode praticar o delito qualquer pessoa (nacional ou estrangeiro).

Sujeito passivo: é o Estado, a quem interessa a permanência do trabalhador nacional no país.


Consumação: consuma-se o crime com o simples recrutamento, por meio de fraude, não se exigindo que se efetive o ato de saída dos trabalhadores do país.


Tentativa: é possível a tentativa quando, apesar da fraude, não haja o recrutamento.


Dentre os tipos penais existentes aplicáveis no nosso código penal brasileiro, para os casos de tráfico de pessoas e à imigrações ilegais, encontramos também Protocolos Adicionais à Convenção das Nações Unidas contra o Crime de Organizado Transnacional (Tratado de Palermo, em 2000): Protocolo relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças, cujos os índices de incidência são extremamente superiores aos de homens em nossa atual conjuntura, e também o Protocolo sobre o tráfico de Migrantes por Via terrestre, Marítima e Aérea, promulgados no Brasil, respectivamente, pelo Decreto n. 5.017 e 5.016, de 12.03.2004.


Como se pode ver, este artigo estudado, entre outros que trata de tráfico de pessoas, ultrapassa os limites de nosso território, existindo na realidade uma grande mobilização internacional contra este tipo penal, que assombra não somente o Brasil, como outros países nos quatro cantos do mundo.


Analisando mais especificamente o artigo 206 do código penal, que trata de crimes contra a Organização do Trabalho, denominado Aliciamento para o fim de Emigração acima citado, houve uma alteração do código penal, pois até 1993 o tipo penal só exigia a iniciativa do agente para atrair, seduzir ou angariar trabalhadores (no mínimo três, irrelevantes a qualificação ou habilidade técnica de cada um) para fim de emigração. Hoje, segundo o renomado jurista Mirabete, a lei exige “que haja fraude, ou seja, que o agente induza ou mantenha em erro os trabalhadores, com falsas informações, promessas, etc., convencendo-os a levá-los para território estrangeiro”. Fora do código penal temos o Estatuto da Criança e do Adolescente que também define como crime tais situações, mais especificamente em seu artigo 239.


A importância da citação do ECA neste trabalho, foi devido ao fato de que, no meu ponto de vista, o tráfico de menores para exploração sexual são um dos fatores mais corriqueiros e que mais assombram a sociedade mundial, pois dados apontam um número cada vez maior de crianças e adolescentes exploradas nestas situações, e que não deixam de relacionar de uma forma ou de outra uma relação de trabalho, haja vista que visa, mesmo que ilicitamente, o lucro.


É notório que existem várias outras situações que se aplicam ao tipo penal, e aqui poderíamos citar vários outros exemplos, porém resumiremos no exemplo citado, pois acreditamos que seja, como já foi citado, fato corriqueiro e de mais fácil entendimento da matéria aqui estudada.


ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL


Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa

Parágrafo 1° Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores Dora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

Parágrafo 2° A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se a vitima é menor de 18 (dezoito) anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.


Objeto jurídico: É o interesse do Estado na não imigração dos trabalhadores.


Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo: É o Estado.


Conduta típica: Consiste no aliciamento de trabalhadores para saírem de uma localidade dentro do território nacional para outra, dentro do País.


Simples mudança: Não se pune a mudança de trabalhadores de um local para outro. Pune-se o aliciamento para tal fim.


Elementos subjetivos do tipo: O primeiro é o dolo. Além dele, é exigido outro, consistente na finalidade de o agente levar os trabalhadores de uma localidade para outra localidade do território nacional. Sem tal finalidade a conduta é atípica.


Consumação: Ocorre no momento em que o sujeito atrai trabalhadores para irem de uma a outro localidade do território nacional. Formal, não exige a concretização do fim visando, satisfazendo-se com o simples aliciamento, sendo prescindível a emigração de trabalhadores. Já se exigiu prejuízo para a região do fato e ofensa à organização do trabalho:


Tentativa: É admissível.

Figura típica agravada: A Lei n. 9.777/98 acrescentou ao crime uma causa de aumento de pena (de um sexto a um terço) no caso da vítima menor de dezoito anos de idade, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental (parágrafo 2°).




Referências bibliográficas


Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte especial.volume III. 22ª Edição. Editora Atlas. Pág. 379 a 382, 385 a 386 e 390 a 392.

Capez, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte especial. Volume 2. Editora Saraiva. Pág. 557 a 560.


Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume III. Editora Impetus pág. 413 a 420.

Damásio E. de Jesus 18° edição

Resuminho de Direito Processual Civil

I- Conceito- contra – ataque do réu em face da ação do autor.

“Reconvenção é a ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo feito e juízo em que é demandado”.

O réu passa, na convenção, a se chamar reconvinte, e o autor, reconvindo.


Declaração Incidente: é uma questão prejudicial discutida no curso do processo sobre a qual ou o autor ou o réu requer pronunciamento judicial específico e definitivo. Forma de ampliação da coisa julgada.


Coisa julgada ou seja a imutabilidade e inoponibilidade somente alcança a parte dispositiva da entença (artigo 458, inciso III, e 469 do CPC.


Questões prejudiciais - são matérias jurídicas que se colocam como antecedentes lógicos ao julgamento de mérito.


Objeto

Relação jurídica, não podendo ser fato nem pressupostos ou condições da ação.


Pressupostos

Interesse revelado pela controvérsia do réu sobre questão jurídica a ser necessariamente enfrentada para fins de julgamento do pedido.

Prazo: o autor – no prazo de dez após concedido à título de providência preliminar (artigo 323 e 325 do C.P.C).

Réu – contestação.

Por uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos


Boaventura de Sousa Santos

Introdução: as tensões da modernidade

****Identifico três tensões dialéticas. A primeira ocorre entre regulação social e emancipação social. Tenho vindo a afirmar que o paradigma da modernidade se baseia numa tensão dialética entre regulação social e emancipação social, a qual está presente, mesmo que de modo diluído, na divisa positivista «ordem e progresso». Neste final de século, esta tensão deixou de ser uma tensão criativa. A emancipação deixou de ser o outro da regulação para se tornar no duplo da regulação. Enquanto até finais dos anos sessenta as crises de regulação social suscitavam o fortalecimento das políticas emancipatórias, hoje a crise da regulação social - simbolizada pela crise do Estado regulador e do Estado-Providência - e a crise da emancipação social - simbolizada pela crise da revolução social e do socialismo enquanto paradigma da transformação social radical - são simultâneas e alimentam-se uma da outra. A política dos direitos humanos, que foi simultaneamente uma política reguladora e uma política emancipadora, está armadilhada nesta dupla crise, ao mesmo tempo que é sinal do desejo de a ultrapassar.

A segunda tensão dialéctica ocorre entre o Estado e a sociedade civil. O Estado moderno, não obstante apresentar-se como um Estado minimalista, é potencialmente um Estado maximalista, pois a sociedade civil, enquanto o outro do Estado, auto-reproduz-se através de leis e regulações que dimanam do Estado e para as quais não parecem existir limites, desde que as regras democráticas da produção de leis sejam respeitadas. Os direitos humanos estão no cerne desta tensão: enquanto a primeira geração de direitos humanos (os direitos cívicos e políticos) foi concebida como uma luta da sociedade civil contra o Estado, considerado como o principal violador potencial dos direitos humanos, a segunda e terceira gerações (direitos económicos e sociais e direitos culturais, da qualidade de vida, etc) pressupõem que o Estado é o principal garante dos direitos humanos.

Por fim, a terceira tensão ocorre entre o Estado-nação e o que designamos por globalização. O modelo político da modernidade ocidental é um modelo de Estados-nação soberanos, coexistindo num sistema internacional de Estados igualmente soberanos - o sistema interestatal. A unidade e a escala privilegiadas, quer da regulação social quer da emancipação social, é o Estado-nação. O sistema interestatal foi sempre concebido como uma sociedade mais ou menos anárquica, regida por uma legalidade muito ténue, e mesmo o internacionalismo da classe operária sempre foi mais uma aspiração do que uma realidade. Hoje, a erosão selectiva do Estado-nação, imputável à intensificação da globalização, coloca a questão de saber se, quer a regulação social quer a emancipação social, deverão ser deslocadas para o nível global. É neste sentido que já se começou a falar em sociedade civil global, governo global e equidade global. Na primeira linha deste processo está o reconhecimento mundial da política dos direitos humanos. A tensão, porém, repousa, por um lado, no facto de, tanto as violações dos direitos humanos, como as lutas em defesa deles continuarem a ter uma decisiva dimensão nacional, e, por outro lado, no facto de, em aspectos cruciais, as atitudes perante os direitos humanos assentarem em pressupostos culturais específicos. A política dos direitos humanos é basicamente uma política cultural. Tanto assim é que poderemos mesmo pensar os direitos humanos como sinal do regresso do cultural, e até mesmo do religioso, em finais de século. Ora, falar de cultura e de religião é falar de diferença, de fronteiras, de particularismos. Como poderão os direitos humanos ser uma política simultaneamente cultural e global?

Nesta ordem de ideias, o meu objectivo é desenvolver um quadro analítico capaz de reforçar o potencial emancipatório da política dos direitos humanos no duplo contexto da globalização, por um lado, e da fragmentação cultural e da política de identidades, por outro. A minha intenção é justificar uma política progressista de direitos humanos com âmbito global e com legitimidade local.


1. Acerca das globalizações

Começarei por especificar o que entendo por globalização. A globalização é muito difícil de definir. Muitas definições centram-se na economia, ou seja, na nova economia mundial que emergiu nas últimas duas décadas como consequência da intensificação dramática da transnacionalização da produção de bens e serviços e dos mercados financeiros - um processo através do qual as empresas multinacionais ascenderam a uma preeminência sem precedentes como actores internacionais. Para os meus objectivos analíticos privilegio, no entanto, uma definição de globalização mais sensível às dimensões sociais, políticas e culturais. Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de facto, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenómenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Qualquer conceito mais abrangente deve ser de tipo processual e não substantivo. Por outro lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedores e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos próprios. Na verdade, a vitória é aparentemente tão absoluta que os derrotados acabam por desaparecer totalmente de cena.

Proponho, pois, a seguinte definição: a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival.

As implicações mais importantes desta definição são as seguintes. Em primeiro lugar, perante as condições do sistema-mundo ocidental não existe globalização genuína; aquilo a que chamamos globalização é sempre a globalização bem sucedida de determinado localismo. Por outras palavras, não existe condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local, uma imersão cultural específica. Na realidade, não consigo pensar uma entidade sem tal enraizamento local; o único candidato possível, mas improvável, seria a arquitectura interior dos aeroportos. A segunda implicação é que a globalização pressupõe a localização. De facto, vivemos tanto num mundo de localização como num mundo de globalização. Portanto, em termos analíticos, seria igualmente correcto se a presente situação e os nossos tópicos de investigação se definisse em termos de localização, em vez de globalização. O motivo porque é preferido o último termo é basicamente porque o discurso científico hegemónico tende a privilegiar a história do mundo na versão dos vencedores.

Existem muitos exemplos de como a globalização pressupõe a localização. A língua inglesa enquanto língua franca é um desses exemplos. A sua propagação enquanto língua global implicou a localização de outras línguas potencialmente globais, nomeadamente a língua francesa. Quer isto dizer que, uma vez identificado determinado processo de globalização, o seu sentido e explicação integrais não podem ser obtidos sem se ter em conta os processos adjacentes de relocalização com ele ocorrendo em simultâneo ou sequencialmente. A globalização do sistema de estrelato de Hollywood contribuiu para a etnicização do sistema de estrelato do cinema hindu. Analogamente, os actores franceses ou italianos dos anos 60 - de Brigitte Bardot a Alain Delon, de Marcello Mastroiani a Sofia Loren - que simbolizavam então o modo universal de representar, parecem hoje, quando revemos os seus filmes, provincianamente europeus, se não mesmo curiosamente étnicos. A diferença do olhar reside em que de então para cá o modo de representar holliwoodesco conseguiu globalizar-se. Para dar um exemplo de uma área totalmente diferente, à medida que se globaliza o hamburger ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau português ou a feijoada brasileira, no sentido em que serão cada vez mais vistos como particularismos típicos da sociedade portuguesa ou brasileira.

Uma das transformações mais frequentemente associadas à globalização é a compressão tempo-espaço, ou seja, o processo social pelo qual os fenómenos se aceleram e se difundem pelo globo. Ainda que aparentemente monolítico, este processo combina situações e condições altamente diferenciadas e, por esse motivo, não pode ser analisado independentemente das relações de poder que respondem pelas diferentes formas de mobilidade temporal e espacial. Por um lado, existe a classe capitalista transnacional, aquela que realmente controla a compressão tempo-espaço e que é capaz de a transformar a seu favor. Existem, por outro lado, as classes e grupos subordinados, como os trabalhadores migrantes e os refugiados, que nas duas últimas décadas têm efectuado bastante movimentação transfronteiriça, mas que não controlam, de modo algum, a compressão tempo-espaço. Entre os executivos das empresas multinacionais e os emigrantes e refugiados, os turistas representam um terceiro modo de produção da compressão tempo-espaço.

Existem ainda os que contribuem fortemente para a globalização mas que, não obstante, permanecem prisioneiros do seu tempo-espaço local. Os camponeses da Bolívia, do Perú e da Colômbia, ao cultivarem coca, contribuem decisivamente para uma cultura mundial da droga, mas eles próprios permanecem «localizados» nas suas aldeias e montanhas como desde sempre estiveram. Tal como os moradores das favelas do Rio, que permanecem prisioneiros da vida urbana marginal, enquanto as suas canções e as suas danças, sobretudo o samba, constituem hoje parte de uma cultura musical globalizada.

Finalmente, e ainda noutra perspectiva, a competência global requer, por vezes, o acentuar da especificidade local. Muitos dos lugares turísticos de hoje têm de vincar o seu carácter exótico, vernáculo e tradicional para poderem ser suficientemente atractivos no mercado global de turismo.

Para dar conta destas assimetrias, a globalização, tal como sugeri, deve ser sempre considerada no plural. Por outro lado, há que considerar diferentes modos de produção da globalização. Distingo quatro modos de produção da globalização, os quais, em meu entender, dão origem a quatro formas de globalização.

A primeira forma de globalização é o localismo globalizado. Consiste no processo pelo qual determinado fenómeno local é globalizado com sucesso, seja a actividade mundial das multinacionais, a transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast food americano ou da sua música popular, ou a adopção mundial das leis de propriedade intelectual ou de telecomunicações dos EUA.

À segunda forma de globalização chamo globalismo localizado. Consiste no impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, as quais são, por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos transnacionais. Tais globalismos localizados incluem: enclaves de comércio livre ou zonas francas; desflorestamento e destruição maciça dos recursos naturais para pagamento da dívida externa; uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimónias religiosos, artesanato e vida selvagem; dumping ecológico («compra» pelos países do Terceiro Mundo de lixos tóxicos produzidos nos países capitalistas centrais para gerar divisas externas); conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação como parte do «ajustamento estrutural»; etnicização do local de trabalho (desvalorização do salário pelo facto de os trabalhadores serem de um grupo étnico considerado «inferior» ou «menos exigente»).

A divisão internacional da produção da globalização assume o seguinte padrão: os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos cabe tão-só a escolha de globalismos localizados. O sistema-mundo é uma trama de globalismos localizados e localismos globalizados.

Todavia, a intensificação de interacções globais pressupõe outros dois processos, os quais não podem ser correctamente caracterizados, nem como localismos globalizados, nem como globalismos localizados. Designo o primeiro por cosmopolitismo. As formas predominantes de dominação não excluem aos Estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais subordinados a oportunidade de se organizarem transnacionalmente na defesa de interesses percebidos como comuns, e de usarem em seu benefício as possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema mundial. As actividades cosmopolitas incluem, entre outras, diálogos e organizações Sul-Sul, organizações mundiais de trabalhadores (a Federação Mundial de Sindicatos e a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres), filantropia transnacional Norte-Sul, redes internacionais de assistência jurídica alternativa, organizações transnacionais de direitos humanos, redes mundiais de movimentos feministas, organizações não governamentais (ONG's) transnacionais de militância anticapitalista, redes de movimentos e associações ecológicas e de desenvolvimento alternativo, movimentos literários, artísticos e científicos na periferia do sistema mundial em busca de valores culturais alternativos, não imperialistas, empenhados em estudos sob perspectivas pós-coloniais ou subalternas, etc, etc.

O outro processo que não pode ser adequadamente descrito, seja como localismo globalizado, seja como globalismo localizado, é a emergência de temas que, pela sua natureza, são tão globais como o próprio planeta e aos quais eu chamaria, recorrendo ao direito internacional, o património comum da humanidade. Trata-se de temas que apenas fazem sentido enquanto reportados ao globo na sua totalidade: a sustentabilidade da vida humana na Terra, por exemplo, ou temas ambientais como a protecção da camada de ozono, a preservação da Amazónia, da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos marinhos. Incluo ainda nesta categoria a exploração do espaço exterior, da lua e de outros planetas, uma vez que as interacções físicas e simbólicas destes com a terra são também património comum da humanidade. Todos estes temas se referem a recursos que, pela sua natureza, têm de ser geridos por fideicomissos da comunidade internacional em nome das gerações presentes e futuras.

A preocupação com o cosmopolitismo e com o património comum da humanidade conheceu grande desenvolvimento nas últimas décadas, mas também fez surgir poderosas resistências. O património comum da humanidade, em especial, tem estado sob constante ataque por parte de países hegemónicos, sobretudo dos Estados Unidos. Os conflitos, as resistências, as lutas e as coligações em torno do cosmopolitismo e do património comum da humanidade demonstram que aquilo a que chamamos globalização é na verdade um conjunto de arenas de lutas transfronteiriças.

Neste contexto é útil distinguir entre globalização de-cima-para-baixo e globalização de-baixo-para-cima, ou entre globalização hegemónica e globalização contra-hegemónica. O que eu denomino de localismo globalizado e globalismo localizado são globalizações de-cima-para-baixo; cosmopolitismo e património comum da humanidade são globalizações de-baixo-para-cima.


2. Os Direitos Humanos enquanto Guião Emancipatório

A complexidade dos direitos humanos reside em que eles podem ser concebidos, quer como forma de localismo globalizado, quer como forma de cosmopolitismo ou, por outras palavras, quer como globalização hegemónica, quer como globalização contra-hegemónica. Proponho-me de seguida identificar as condições culturais através das quais os direitos humanos podem ser concebidos como cosmopolitismo ou globalização contra-hegemónica. A minha tese é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado - uma forma de globalização de-cima-para-baixo. Serão sempre um instrumento do «choque de civilizações» tal como o concebe Samuel Huntington (1993), ou seja, como arma do Ocidente contra o resto do mundo ("the West against the rest"). A sua abrangência global será obtida à custa da sua legitimidade local. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização de-baixo-para-cima ou contra-hegemónica, os direitos humanos têm de ser reconceptualizados como multiculturais. O multiculturalismo, tal como eu o entendo, é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemónica de direitos humanos no nosso tempo.

É sabido que os direitos humanos não são universais na sua aplicação. Actualmente são consensualmente identificados quatro regimes internacionais de aplicação de direitos humanos: o europeu, o inter-americano, o africano e o asiático. Mas serão os direitos humanos universais enquanto artefacto cultural, um tipo de invariante cultural, parte significativa de uma cultura global? Todas as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. Por isso mesmo, a questão da universalidade dos direitos humanos trai a universalidade do que questiona pelo modo como o questiona. Por outras palavras, a questão da universalidade é uma questão particular, uma questão específica da cultura ocidental.

O conceito de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres (Panikkar 1984: 30). Uma vez que todos estes pressupostos são claramente ocidentais e facilmente distinguíveis de outras concepções de dignidade humana em outras culturas, teremos de perguntar por que motivo a questão da universalidade dos direitos humanos se tornou tão acesamente debatida. Ou por que razão a universalidade sociológica desta questão se sobrepôs à sua universalidade filosófica.

Se observarmos a história dos direitos humanos no período imediatamente a seguir à Segunda Grande Guerra, não é difícil concluir que as políticas de direitos humanos estiveram em geral ao serviço dos interesses económicos e geo-políticos dos Estados capitalistas hegemónicos. Um discurso generoso e sedutor sobre os direitos humanos permitiu atrocidades indescritíveis, as quais foram avaliadas de acordo com revoltante duplicidade de critérios. Escrevendo em 1981 sobre a manipulação da temática dos direitos humanos nos Estados Unidos pelos meios de comunicação social, Richard Falk identifica uma «política de invisibilidade» e uma «política de supervisibilidade». Como exemplos da política de invisibilidade menciona Falk a ocultação total, pelos media, das notícias sobre o trágico genocídio do povo Maubere em Timor Leste (que ceifou mais que 300.000 vidas) e a situação dos cerca de cem milhões de «intocáveis» na India. Como exemplos da política de supervisibilidade, Falk menciona a exuberância com que os atropelos pós-revolucionários dos direitos humanos no Irão e no Vietname foram relatados nos Estados Unidos. A verdade é que o mesmo pode dizer-se dos países da União Europeia, sendo o exemplo mais gritante justamente o silêncio mantido sobre o genocídio do povo Maubere, escondido dos europeus durante uma década, assim facilitando o contínuo e próspero comércio com a Indonésia.

A marca ocidental, ou melhor, ocidental liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser facilmente identificada em muitos outros exemplos: na Declaração Universal de 1948, elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo de direitos individuais, com a única excepção do direito colectivo à autodeterminação, o qual, no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade concedida aos direitos cívicos e políticos sobre os direitos económicos, sociais e culturais e no reconhecimento do direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos anos, o único direito económico.

Mas há também um outro lado desta questão. Em todo o mundo milhões de pessoas e milhares de ONG's têm vindo a lutar pelos direitos humanos, muitas vezes correndo grandes riscos, em defesa de classes sociais e grupos oprimidos, em muitos casos vitimizados por Estados capitalistas autoritários. Os objectivos políticos de tais lutas são frequentemente explicita ou implicitamente anticapitalistas. Gradualmente foram-se desenvolvendo discursos e práticas contra-hegemónicos de direitos humanos, foram sendo propostas concepções não ocidentais de direitos humanos, foram-se organizando diálogos interculturais de direitos humanos. Neste domínio, a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste em transformar a conceptualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado num projecto cosmopolita.

Passo a enumerar as principais premissas de uma tal transformação. A primeira premissa é a superação do debate sobre universalismo e relativismo cultural. Trata-se de um debate intrinsecamente falso, cujos conceitos polares são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória de direitos humanos. Todas as culturas são relativas, mas o relativismo cultural enquanto atitude filosófica é incorrecto. Todas as culturas aspiram a preocupações e valores universais, mas o universalismo cultural, enquanto atitude filosófica, é incorrecto. Contra o universalismo, há que propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas. Contra o relativismo, há que desenvolver critérios políticos para distinguir política progressista de política conservadora, capacitação de desarme, emancipação de regulação. Na medida em que o debate despoletado pelos direitos humanos pode evoluir para um diálogo competitivo entre culturas diferentes sobre os princípios de dignidade humana, é imperioso que tal competição induza as coligações transnacionais a competir por valores ou exigências máximos, e não por valores ou exigências mínimos (quais são os critérios verdadeiramente mínimos? os direitos humanos fundamentais? os menores denominadores comuns?). A advertência frequentemente ouvida hoje contra os inconvenientes de sobrecarregar a política de direitos humanos com novos direitos ou com concepções mais exigentes de direitos humanos (Donnelly, 1989: 109-24) é uma manifestação tardia da redução do potencial emancipatório da modernidade ocidental à emancipação de baixa intensidade possibillitada ou tolerada pelo capitalismo mundial. Direitos humanos de baixa intensidade como o outro lado de democracia de baixa intensidade.

A segunda premissa da transformação cosmopolita dos direitos humanos é que todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos. Torna-se, por isso, importante identificar preocupações isomórficas entre diferentes culturas. Designações, conceitos e Weltanschaungen diferentes podem transmitir preocupações ou aspirações semelhantes ou mutuamente inteligíveis. Na secção seguinte darei alguns exemplos.

A terceira premissa é que todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. A ideia de completude está na origem de um excesso de sentido de que parecem enfermar todas as culturas, e é por isso que a incompletude é mais facilmente perceptível do exterior, a partir da perspectiva de outra cultura. Aumentar a consciência de incompletude cultural até ao seu máximo possível é uma das tarefas mais cruciais para a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos.

A quarta premissa é que todas as culturas têm versões diferentes de dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas com um círculo de reciprocidade mais largo do que outras, algumas mais abertas a outras culturas do que outras. Por exemplo, a modernidade ocidental desdobrou-se em duas concepções e práticas de direitos humanos profundamente divergentes - a liberal e a marxista - uma dando prioridade aos direitos cívicos e políticos, a outra dando prioridade aos direitos sociais e económicos. Há que definir qual delas propõe um círculo de reciprocidade mais amplo.

Por último, a quinta premissa é que todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica. Um - o princípio da igualdade - opera através de hierarquias entre unidades homogéneas (a hierarquia de estratos socio-económicos; a hierarquia cidadão/estrangeiro). O outro - o princípio da diferença - opera através da hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas (a hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos, entre religiões, entre orientações sexuais). Os dois princípios não se sobrepõem necessariamente e, por esse motivo, nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as diferenças são desiguais.

Estas são as premissas de um diálogo intercultural sobre a dignidade humana que pode levar, eventualmente, a uma concepção mestiça de direitos humanos, uma concepção que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e que se constitui em redes de referências normativas capacitantes.

2.1. A hermenêutica diatópica

No caso de um diálogo intercultural, a troca não é apenas entre diferentes saberes mas também entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de sentido diferentes e, em grande medida, incomensuráveis. Tais universos de sentido consistem em constelações de topoi fortes. Os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos. Topoi fortes tornam-se altamente vulneráveis e problemáticos quando «usados» numa cultura diferente. O melhor que lhes pode acontecer é serem despromovidos de premissas de argumentação a meros argumentos. Compreender determinada cultura a partir dos topoi de outra cultura pode revelar-se muito difícil, se não mesmo impossível. Partindo do pressuposto de que tal não é impossível, proponho a seguir uma hermenêutica diatópica, um procedimento hermenêutico que julgo adequado para nos guiar nas dificuldades a enfrentar, ainda que não necessariamente para as superar. Na área dos direitos humanos e da dignidade humana, a mobilização de apoio social para as possibilidades e exigências emancipatórias que eles contêm só será concretizável na medida em que tais possibilidades e exigências tiverem sido apropriadas e absorvidas pelo contexto cultural local. Apropriação e absorção, neste sentido, não podem ser obtidas através da canibalização cultural. Requerem um diálogo intercultural e uma hermenêutica diatópica.

A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude - um objectivo inatingível - mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra. Nisto reside o seu carácter dia-tópico.

Um exemplo de hermenêutica diatópica é a que pode ter lugar entre o topos dos direitos humanos na cultura ocidental, o topos do dharma na cultura hindu e o topos da umma na cultura islâmica. Segundo Panikkar, dharma «é o que sustenta, dá coesão e, portanto, força, a uma dada coisa, à realidade e, em última instância, aos três mundos (triloka). A justiça dá coesão às relações humanas; a moralidade mantém a pessoa em harmonia consigo mesma; o direito é o princípio do compromisso nas relações humanas; a religião é o que mantém vivo o universo; o destino é o que nos liga ao futuro; a verdade é a coesão interna das coisas... Um mundo onde a noção de Dharma é central e quase omnipresente não está preocupado em encontrar o 'direito' de um indivíduo contra outro ou do indivíduo perante a sociedade, mas antes em avaliar o carácter dharmico (correcto, verdadeiro, consistente) ou adharmico de qualquer coisa ou acção no complexo teantropocósmico total da realidade» (1984:39).

Vistos a partir do topos do dharma, os direitos humanos são incompletos na medida em que não estabelecem a ligação entre a parte (o indivíduo) e o todo (o cosmos), ou dito de forma mais radical, na medida em que se centram no que é meramente derivado, os direitos, em vez de se centrarem no imperativo primordial, o dever dos indivíduos de encontrarem o seu lugar na ordem geral da sociedade e de todo o cosmos. Vista a partir do dharma, e na verdade também a partir da umma, como veremos a seguir, a concepção ocidental dos direitos humanos está contaminada por uma simetria muito simplista e mecanicista entre direitos e deveres. Apenas garante direitos àqueles a quem pode exigir deveres. Isto explica por que razão, na concepção ocidental dos direitos humanos, a natureza não possui direitos: porque não lhe podem ser impostos deveres. Pelo mesmo motivo é impossível garantir direitos às gerações futuras: não possuem direitos porque não possuem deveres.

Por outro lado e inversamente, visto a partir do topos dos direitos humanos, o dharma também é incompleto, dado o seu enviezamento fortemente não-dialético a favor da harmonia, ocultando assim injustiças e negligenciando totalmente o valor do conflito como caminho para uma harmonia mais rica. Além disso, o dharma não está preocupado com os princípios da ordem democrática, com a liberdade e a autonomia, e negligencia o facto de, sem direitos primordiais, o indivíduo ser uma entidade demasiado frágil para evitar ser subjugado por aquilo que o transcende. Além disso, o dharma tende a esquecer que o sofrimento humano possui uma dimensão individual irredutível: não são as sociedades que sofrem, mas sim os indivíduos.

Num outro nível conceptual pode ser ensaiada a mesma hermenêutica diatópica entre o topos dos direitos humanos e o topos da umma na cultura islâmica. Os passos do Corão em que surge a palavra umma são tão variados que o seu significado não pode ser definido com rigor. O seguinte, porém, parece ser certo: o conceito de umma refere-se sempre a entidades étnicas, linguísticas ou religiosas de pessoas que são o objecto do plano divino de salvação. À medida que a actividade profética de Maomé foi progredindo, os fundamentos religiosos da umma tornaram-se cada vez mais evidentes e, consequentemente, a umma dos árabes foi transformada na umma dos muçulmanos. Vista a partir do topos da umma, a incompletude dos direitos humanos individuais reside no facto de, com base neles, ser impossível fundar os laços e as solidariedades colectivas sem as quais nenhuma sociedade pode sobreviver, e muito menos prosperar. Exemplo disto mesmo é a dificuldade da concepção ocidental de direitos humanos em aceitar direitos colectivos de grupos sociais ou povos, sejam eles as minorias étnicas, as mulheres, as crianças ou os povos indígenas. Este é, de facto, um exemplo específico de uma dificuldade muito mais ampla: a dificuldade em definir a comunidade enquanto arena de solidariedades concretas, campo político dominado por uma obrigação política horizontal. Esta ideia de comunidade, central para Rousseau, foi varrida do pensamento liberal, que reduziu toda a complexidade societal à dicotomia Estado/sociedade civil.

Mas, por outro lado, a partir do topos dos direitos humanos individuais, a umma sublinha demasiado os deveres em detrimento dos direitos e por isso tende a perdoar desigualdades que seriam de outro modo inadmissíveis, como a desigualdade entre homens e mulheres ou entre muçulmanos e não-muçulmanos. A hermenêutica diatópica mostra-nos que a fraqueza fundamental da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o indivíduo e a sociedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo possessivo, ao narcisismo, à alienação e à anomia. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e islâmica deve-se ao facto de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada numa sociedade não hierarquicamente organizada.

O reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural. A hermenêutica diatópica desenvolve-se tanto na identificação local como na inteligibilidade translocal das incompletudes. Um bom exemplo de hermenêutica diatópica entre a cultura islâmica e a cultura ocidental no campo dos direitos humanos é dado por Abdullahi An-na'im (1990, 1992). Existe um longo debate acerca das relações entre islamismo e direitos humanos e da possibilidade de uma noção islâmica de direitos humanos. Este debate abrange um largo espectro de posições e o seu impacto ultrapassa o mundo islâmico. Embora correndo o risco de excessiva simplificação, duas posições extremas podem ser identificadas neste debate. Uma, absolutista ou fundamentalista, é sustentada por aqueles para quem o sistema jurídico religioso do Islão, a Shari'a, deve ser integralmente aplicado como o direito do Estado islâmico. Segundo esta posição, há inconsistências irreconciliáveis entre a Shari'a e a concepção ocidental dos direitos humanos, e sempre que tal ocorra a Shari'a deve prevalecer. Por exemplo, relativamente ao estatuto dos não- muçulmanos, a Shari'a determina a criação de um Estado para muçulmanos que apenas reconhece estes como cidadãos, negando aos não-muçulmanos quaisquer direitos políticos. Ainda segundo a Shari'a, a paz entre muçulmanos e não-muçulmanos é sempre problemática e os confrontos podem ser inevitáveis. Relativamente às mulheres, o problema da igualdade nem sequer se põe; a Shari'a impõe a segregação das mulheres e, em algumas interpretações mais estritas, exclui-as de toda a vida pública.

No outro extremo, encontram-se os secularistas ou modernistas, que entendem deverem os muçulmanos organizar-se em Estados seculares. O Islão é um movimento religioso e espiritual e não político e, como tal, as sociedades muçulmanas modernas são livres de organizar o seu governo do modo que julgarem conveniente e apropriado às circunstâncias. A aceitação de direitos humanos internacionais é uma questão de decisão política independente de considerações religiosas. Apenas para dar um exemplo, entre muitos, desta posição: uma lei tunisina de 1956 proibiu a poligamia com o argumento de ter deixado de ser aceitável, tanto mais que a exigência corânica de justiça no tratamento das co-esposas era impossível de realizar na prática por qualquer homem, excepto o Profeta.

An-na'im critica estas duas posições extremas. A via per mezzo que propõe pretende encontrar fundamentos interculturais para os direitos humanos, identificando as áreas de conflito entre a Shari'a e «os critérios de direitos humanos» e estabelecendo uma reconciliação ou relação positiva entre os dois sistemas. O problema da Shari'a histórica é que exclui mulheres e não-muçulmanos do campo de reciprocidade. Para o resolver, é necessária uma reforma ou reconstrução da Shari'a. O método proposto para tal «Reforma islâmica» assenta numa revisão evolucionista das fontes islâmicas, que reconsidera o contexto histórico específico em que a Shari'a foi criada pelos juristas dos séculos VIII e IX. Nesse contexto histórico específico, uma construção restritiva do Outro e da reciprocidade foi provavelmente justificada. Hoje, porém, o contexto é totalmente diferente e é possível reencontrar nas fontes originárias do Islão plena justificação para uma visão mais ampla de reciprocidade.

Seguindo os ensinamentos de Maomé, An-na'im demonstra que uma análise atenta do conteúdo do Corão e do Suna revela dois níveis ou fases da mensagem do Islão: uma, do período da Meca Antiga, e outra, do período subsequente, de Medina. A mensagem primitiva de Meca é a mensagem eterna e fundamental do Islão, que sublinha a dignidade inerente a todos os seres humanos, independentemente de sexo, religião ou raça. Esta mensagem, considerada demasiado avançada para as condições históricas do século VII (a fase de Medina), foi suspensa e a sua aplicação adiada até que no futuro as circunstâncias a tornassem possível. O tempo e o contexto, diz An-na'im, estão agora maduros para tal.

Não me cabe avaliar a validade específica desta proposta para a cultura islâmica. Esta postura é precisamente o que distingue a hermenêutica diatópica do orientalismo. O que quero realçar na abordagem de An-na'im é a tentativa de transformar a concepção de direitos humanos ocidental numa concepção intercultural que reivindica para eles a legitimidade islâmica, em vez de renunciar a ela. Em abstracto e visto de fora, é difícil ajuizar qual das abordagens, a religiosa ou a secularista, terá mais probabilidades de prevalecer num diálogo intercultural sobre direitos humanos a partir do Islão. Porém, tendo em mente que os direitos humanos ocidentais são a expressão de um profundo, se bem que incompleto, processo de secularização, sem paralelo na cultura islâmica, estaria inclinado a sugerir que, no contexto muçulmano, a energia mobilizadora necessária para um projecto cosmopolita de direitos humanos poderá gerar-se mais facilmente num quadro religioso esclarecido. Se este for o caso, a abordagem de An-na'im é muito promissora.

A hermenêutica diatópica não é tarefa para uma só pessoa, escrevendo dentro de uma única cultura. Não é, portanto, surpreendente que a abordagem de An-na'im, um genuíno exercício de hermenêutica diatópica, seja por ele conduzida com consistência desigual. Na minha perspectiva, An-na'im aceita demasiado fácil e acriticamente a ideia de direitos humanos universais. Apesar de este autor subscrever uma abordagem evolucionista e estar realmente atento ao contexto histórico da tradição islâmica, a sua interpretação resulta surpreendentemente ahistórica e ingenuamente universalista quanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos. A hermenêutica diatópica requer não apenas um tipo de conhecimento diferente, mas também um diferente processo de criação de conhecimento. A hermenêutica diatópica exige uma produção de conhecimento colectiva, interactiva, intersubjectiva e reticular.

A hermenêutica diatópica conduzida por An-na'im a partir da perspectiva da cultura islâmica e as lutas pelos direitos humanos organizadas pelos movimentos feministas islâmicos, seguindo as ideias da «Reforma islâmica» por ele propostas, têm de ser complementadas por uma hermenêutica diatópica conduzida a partir da perspectiva de outras culturas e, nomeadamente, da perspectiva da cultura ocidental dos direitos humanos. Este é provavelmente o único meio de integrar na cultura ocidental a noção de direitos colectivos, os direitos da natureza e das futuras gerações, bem como a noção de deveres e responsabilidades para com entidades colectivas, sejam elas a comunidade, o mundo ou mesmo o cosmos.

Mais genericamente, a hermenêutica diatópica oferece um amplo campo de possibilidades para os debates que estão atualmente a ocorrer nas diferentes regiões culturais do sistema mundial sobre os temas gerais do universalismo, relativismo, multiculturalismo, pós-colonialismo, quadros culturais da transformação social, tradicionalismo e renovação cultural. Porém, uma concepção idealista de diálogo intercultural poderá esquecer facilmente que tal diálogo só é possível através da simultaneidade temporária de duas ou mais contemporaneidades diferentes. Os parceiros no diálogo são apenas superficialmente contemporâneos; na verdade, cada um deles sente-se apenas contemporâneo da tradição histórica da sua cultura. É assim sobretudo quando as diferentes culturas envolvidas no diálogo partilham um passado de sucessivas trocas desiguais. Que possibilidades existem para um diálogo intercultural se uma das culturas em presença foi moldada por massivas e prolongadas violações dos direitos humanos perpetradas em nome da outra cultura? Quando as culturas partilham tal passado, o presente que partilham no momento de iniciarem o diálogo é, no melhor dos casos, um quid pro quo e, no pior dos casos, uma fraude. O dilema cultural que se levanta é o seguinte: dado que, no passado, a cultura dominante tornou impronunciáveis algumas das aspirações à dignidade humana por parte da cultura subordinada, será agora possível pronunciá-las no diálogo intercultural sem, ao fazê-lo, justificar e mesmo reforçar a sua impronunciabilidade?

Imperialismo cultural e epistemicídio são parte da trajectória histórica da modernidade ocidental. Após séculos de trocas culturais desiguais, será justo tratar todas as culturas de forma igual? Será necessário tornar impronunciáveis algumas aspirações da cultura ocidental para dar espaço à pronunciabilidade de outras aspirações de outras culturas? Paradoxalmente - e contrariando o discurso hegemónico - é precisamente no campo dos direitos humanos que a cultura ocidental tem de aprender com o Sul para que a falsa universalidade atribuída aos direitos humanos no contexto imperial seja convertida, na translocalidade do cosmopolitismo, num diálogo intercultural.

O carácter emancipatório da hermenêutica diatópica não está garantido a priori e, de facto, o multiculturalismo pode ser o novo rótulo de uma política reaccionária. Basta mencionar o multiculturalismo do primeiro ministro da Malásia ou da gerontocracia chinesa quando se referem à "concepção asiática de direitos humanos" para justificar as conhecidas e as desconhecidas "Tianamens". Para prevenir esta perversão, dois imperativos interculturais devem ser aceites por todos os grupos empenhados na hermenêutica diatópica. O primeiro pode formular-se assim: das diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que representa o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro. Como vimos, das duas diferentes interpretações do Corão, An-na'im escolhe a que possui o círculo mais amplo de reciprocidade, a que abrange igualmente muçulmanos e não-muçulmanos, homens e mulheres. O mesmo procedimento deve ser adoptado na cultura ocidental. Das duas versões de direitos humanos existentes na nossa cultura - a liberal e a marxista - a marxista deve ser adoptada, pois amplia para os domínios económico e social a igualdade que a versão liberal apenas considera legítima no domínio político.

O segundo imperativo intercultural pode ser enunciado do seguinte modo: uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princípios concorrentes de pertença hierárquica, e, portanto, com concepções concorrentes de igualdade e diferença, as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Este é, consabidamente, um imperativo muito difícil de atingir e de manter. Os Estados constitucionais multinacionais como a Bélgica aproximam-se dele em alguns aspectos. Existe neste momento grande esperança que a África do Sul venha a ser outro exemplo.


3. Conclusão

Na forma como são agora predominantemente entendidos, os direitos humanos são uma espécie de esperanto que dificilmente se poderá tornar na linguagem quotidiana da dignidade humana nas diferentes regiões do globo. Compete à hermenêutica diatópica proposta neste artigo transformá-los numa política cosmopolita que ligue em rede línguas nativas de emancipação, tornando-as mutuamente inteligíveis e traduzíveis. Este projecto pode parecer demasiado utópico. Mas, como disse Sartre, antes de ser concretizada, uma idéia tem uma estranha semelhança com a utopia. Seja como for, o importante é não reduzir o realismo ao que existe, pois, de outro modo, podemos ficar obrigados a justificar o que existe, por mais injusto ou opressivo que seja.

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Resumo

Poderão os direitos humanos preencher o vazio deixado pelo socialismo? O objectivo do presente trabalho é identificar as condições em que os direitos humanos podem ser colocados ao serviço de uma política progressista e emancipatória. Para tal, há que começar por entender a tensão dialéctica entre regulação social e emancipação social que caracteriza a modernidade ocidental— uma tensão bem presente nas filosofias e nas práticas dos direitos humanos. Defende-se neste artigo que os direitos humanos só poderão desenvolver o seu potencial emancipatório se se libertarem do seu falso universalismo e se tornarem verdadeiramente multiculturais.


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