terça-feira, 29 de setembro de 2009

Dos delitos e das penas (capítulo).

  • XVIII. DA INFÂMI

A INFÂMIA é um sinal da improbação pública, que priva o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo país. Como os efeitos da infâmia não dependem absolutamente das leis, é mister que a vergonha que a lei inflige se baseie na moral, ou na opinião pública.

Se se tentasse manchar de infâmia uma ação que a opinião não julga infame, ou a lei deixaria de ser respeitada, ou as idéias aceitas de probidade e de moral desapareceriam, mal grado todas as declamações dos moralistas, sempre impotentes contra a força do exemplo.

Declarar infames ações indiferentes em si mesmas, é diminuir a infâmia das que efetivamente merecem ser designadas desse modo. Bem necessário é evitar que se punam com penas corporais e dolorosas certos delitos fundados no orgulho e, que fazem dos castigos uma glória.

Tal é o fanatismo, que só pode ser reprimido pelo ridículo e pela vergonha.

Se se humilhar à orgulhosa vaidade dos fanáticos perante uma grande multidão de espectadores, devem esperar-se felizes efeitos dessa pena, pois que a própria verdade tem necessidade dos maiores esforços para se defender, quando é atacada pela arma do ridículo. Opondo assim a força, à força e a opinião, à opinião de um legislador esclarecido dissipa no espírito do povo a admiração que lhe causa um falso princípio, cujo absurdo lhe foi dissimulado com raciocínios especiosos.

As penas infamantes devem ser raras, porque o emprego demasiado freqüente do poder da opinião enfraquece a força da própria opinião. A infâmia não deve cair tão pouco sobre um grande número de pessoas ao mesmo tempo, porque a infâmia de um grande número não é mais, em breve, a infâmia de ninguém.

Tais são os meios de harmonizar as relações invariáveis das coisas e de atender à natureza, que, sempre ativa e jamais sujeita aos limites do tempo, destrói e revoga todas as leis que se afastam dela. Não é só nas belas-artes que é preciso seguir fielmente a natureza: as instituições políticas, ao menos aquelas que têm um caráter de sabedoria e elementos de duração, se fundam na natureza; e a verdadeira política não é outra coisa senão a arte de dirigir para o mesmo fim de utilidade os sentimentos imutáveis do homem.


XIX. DA PUBLICIDADE E DA PRESTEZA DAS PENAS


Quanto mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será. Mais justa. porque poupará ao acusado os cruéis tormentos da, incerteza, tormentos supérfluos, cujo horror aumenta para ele na razão da força de imaginação e do sentimento de fraqueza. A presteza do julgamento é justa ainda porque, a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige.

Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar-lhe o rigor e a duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo;

e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar. O acusado não deve ser encerrado senão na medida em que for necessário para o impedir de fugir ou de ocultar as provas do crime.

O processo mesmo deve ser conduzido sem protelações. Que contraste hediondo entre a indolência de um juiz e a angústia de um acusado! De um lado, um magistrado insensível, que passa os dias no bem-estar e nos prazeres, e de outro um infeliz que definha, a chorar no fundo de uma masmorra abominável.

Os efeitos do castigo que se segue ao crime devem ser em geral impressionantes e sensíveis para os que o testemunharam; haverá, porém, necessidade de que esse castigo seja tão cruel para quem o sofre?

Quando os homens se reuniram em sociedade, foi para só se sujeitarem aos mínimos males possíveis; e não há país que possa negar esse princípio incontestável. Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da idéia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável.

É a ligação das idéias que sustenta todo o edifício do entendimento humano. Sem ela, o prazer e a dor seriam sentimentos isolados, sem efeito, tão cedo esquecidos quanto sentidos. Os homens sem idéias gerais e princípios universais, isto é, os homens ignorantes e embrutecidos, não agem senão segundo as idéias mais vizinhas e mais imediatamente unidas.

Negligenciam as relações distantes, e essas idéias complicadas, que só se apresentam ao homem fortemente apaixonado por um objeto, ou aos espíritos esclarecidos. A luz da atenção dissipa no homem apaixonado as trevas que cercam o vulgar. O homem instruído, acostumado a percorrer e a comparar rapidamente um grande número de idéias e de sentimentos opostos, tira do contraste um resultado que constitui a base de sua conduta, desde então menos incerta e menos perigosa.

É, pois, da maior importância punir prontamente um crime cometido, se se quiser que, no espírito grosseiro do vulgo, a pintura sedutora das vantagens de uma ação criminosa desperte imediatamente a idéia de um castigo inevitável. Uma pena por demais retardada torna menos estreita a união dessas duas idéias: crime e castigo.

Se o suplício de um acusado causa então alguma impressão, e somente como espetáculo, pois só se apresenta ao espectador quando o horror do crime, que contribui para fortificar o horror da pena, já está enfraquecido nos espíritos. Poder-se-ia ainda estreitar mais a ligação das idéias de crime e de castigo, dando à pena toda a conformidade possível com a natureza do delito, a fim de que o receio de um castigo especial afaste o espírito do caminho a que conduzia a perspectiva de um crime vantajoso.

É preciso que, a idéia do suplício esteja sempre presente no coração do homem fraco e domine o sentimento que o leva ao crime. Entre vários povos, punem-se os crimes pouco consideráveis com a prisão ou com a escravidão num país distante, isto é, manda-se o culpado levar um exemplo inútil a uma sociedade que ele não ofendeu.

Como os homens não se entregam, a princípio, aos maiores crimes, a maior parte dos que assistem ao suplício de um celerado, acusado de algum crime monstruoso, não experimentam nenhum sentimento de terror ao verem um castigo que jamais imaginam poder merecer.

Ao contrário, a punição pública dos pequenos delitos mais comuns causar-lhe-á na alma uma impressão salutar que os afastará de grandes crimes, desviando-os primeiro dos que o são menos.


Da inevitabilidade das penas das graças

O rigor do suplicio não é o fato que previne os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição, o zelo vigilante do juiz e, essa severidade inalterável que só é uma virtude no magistrado quando as leis são brandas. O individuo tem a perspectiva de um castigo moderado, porém inflexível, a pessoa fica com a impressão mais forte do que o temor de um suplício horrendo, em relação ao que aparece alguma esperança de impunidade.

Algumas vezes punimos um crime pouco importante, quanto quem sofreu a lesão o perdoa, (EX. esposa perdoa o marido logo depois do mesmo lhe praticar violência fisíca), um particular pode não exigir o reparo do mal que foi lhe causado, porém contrario do interesse público que o perdão que ele dá não pode destruir a necessidade do exemplo exposto a coletividade.

O castigo não pertence a qualquer cidadão em particular, é das leis que pertence ao órgão da vontade geral. A piedade, seria expulsa de uma legislação sábia em que as penas fossem brandas e que a justiça fosse realizada com formas prontas e regulares.

No entanto, o monarca que se dedica a felicidade do seu povo e pensa em contribuir pelo exercício de dar graça, esta agindo contra o código criminal, pelos preconceitos antigos, pelo grave aparelho das antigas formalidades, enfim, pela aprovação dos meio-sábios, sempre mais insinuante senão mais ouvidos do que os sábios reais. Porque em julgamentos particulares se permite que os indivíduos vejam que os crimes pode ser perdoado e o castigo constitui a sua conseqüência, alimenta neles a esperança de ficarem impunes e eles aceitam os tormentos não como atos de justiça, porém como ato de violência por estes motivos muitos desviantes buscam sempre cumprir um castigo mais moderado e humano.

Então o legislador tem que ser indulgente e humano na elaboração das leis, ele tem que ter como base de sua elaboração o amor ao próprio bem-estar e fazer resultar no bem-geral dos interesses particulares, agindo dessa forma, não se verá constrangido a recorrer leis imperfeitas que separa a cada momento os interesses da sociedade, não será obrigado a erguer sobre o medo e a desconfiança da felicidade do povo que ficará tranqüilo da pequena felicidade que o Ser Supremo lhes concedeu.

A rapidez no julgamento é justa, estas penas devem preceder a condenação na exata medida em que a necessidade exige, se a prisão constitui a maneira de deter o cidadão até que ele seja considerado culpado, como o processo é angustiante e cruel, deve na medida do possível, amenizar-lhe o rigor e a duração e os mais antigos detidos tem que ser julgados em primeiro lugar.


De um lado um magistrado sem sentimento, passa os dias no bem-estar e de outro lado um desgraçado, sofrendo no fundo de uma sela abominável. A presteza da pena é útil e quanto menos tempo o individuo passar entre o crime e a pena, ficaram com os espíritos de que não existe crime sem castigo. É necessário que a idéia de suplício esteja sempre presente no coração dos homem fraco e domine o sentimento que o conduz ao crime, para que os homens não se entreguem aos crimes.

DOS ASILOS
Serão justos os asilos? Em toda a extensão de um Estado político não deve haver nenhum lugar fora insento da dependência das leis. A força destas deve seguir o cidadão por toda a parte, como a sombra segue o corpo.


Existe pouca diferença entre a impunidade e os asilos; e, como o melhor meio de impedir o crime é a perspectiva de um castigo certo e inevitável, os asilos, que representam um abrigo contra a ação das leis, convidam mais ao crime do que as penas o evitam, do momento em que se tem a esperança de evitá-los.


Multiplicar os asilos é formar pequenas soberanias, porque, quando as leis não têm poder, novas potências se formam de ordem comum, estabelece-se um espírito oposto ao do corpo inteiro da sociedade.

Pretenderam alguns que, cometido um crime num lugar, isto é, um ato contrário às leis, teriam estas em toda parte o direito de punir. Será a qualidade de súdito, nesse caso, um caráter indelével? Será o nome de súdito pior que o de escravo? E admitir-se-á que um homem habite um país e seja submetido às leis de outro país? que suas ações fiquem ao mesmo tempo subordinadas a dois soberanos e a duas legislações muitas vezes contraditórias?

Ousou-se dizer, assim, que um crime cometido em Constantinopla podia ser punido em Paris, porque aquele que ofende uma sociedade humana merece ter todos os homens por inimigos e deve ser objeto da execração universal. No entanto, os juizes não são vingadores do gênero humano em geral; são os defensores das convenções particulares que ligam entre si um certo número de homens.

Um crime só deve ser punido no país onde foi cometido, porque é somente aí, e não em outra parte, que os homens são forçados a reparar, pelo exemplo da pena, os funestos efeitos que o exemplo do crime pode produzir. Um celerado, cujos crimes precedentes não puderam violar as leis de uma sociedade da qual não era membro, pode bem ser temido e expulso dessa sociedade; mas, as leis não podem infligir-lhe outra pena, pois são feitas somente para punir o mal que lhe é feito, e não o crime que não as ofende. Será, pois, útil que as nações permutem reciprocamente entre si os criminosos? Certamente, a persuasão de não encontrar nenhum lugar na terra em que o crime possa ficar impune seria um meio bem eficaz de preveni-lo. Não ousarei, porém, decidir essa questão, até que as leis, tornando-se mais conformes aos sentimentos naturais do homem, com penas mais brandas, impedindo o arbítrio dos juizes e da opinião, assegurem a inocência e preservem a virtude das perseguições da inveja; até que a tirania, relegada ao Oriente, tenha deixado a Europa sob o doce império da razão, dessa razão eterna que une com um laço indissolúvel os interesses dos soberanos aos interesses dos povos.

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