domingo, 14 de agosto de 2011

SÚMULA VINCULANTE Nº 2

SÚMULA VINCULANTE Nº 2
É INCONSTITUCIONAL A LEI OU ATO NORMATIVO ESTADUAL OU DISTRITAL QUE DISPONHA SOBRE SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS, INCLUSIVE BINGOS E LOTERIAS.

DISCURSÃO DA CORTE

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LOTERIAS E BINGOS DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. VIOLAÇÃO DO ART.22, XX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES.


São inconstitucionais, por ofensa à competência da União para legislar sobre sistema de consórcios e sorteios (art. 22, XX, da Constituição federal), os decretos que compõem o sistema normativo regulamentador do serviço de loterias e bingos no estado de Mato Grosso do Sul. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Vieram, ainda, aos autos requerimento da Associação Brasileira de Loterias Estaduais - ABLE (fls. 08-11), no qual solicita sua admissão, no presente procedimento, como amicus curiae, para o fim de “contribuir com a matéria, inclusive com apresentação de memoriais (...), além de
manifestação oral na defesa dos interesses metaindividuais”. ]

Alega ter atuado, nessa qualidade, em algumas ações diretas de inconstitucionalidade que trataram sobre o assunto e que a deliberação desta Corte sobre a proposta de edição de enunciado em análise atingirá a exploração de loterias de há muito existentes nos Estados-membros.

Ante o exposto, na forma prevista no art. 2º, § 3º, da Lei 11.417/2006, encaminho ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, para deliberação, a presente proposta de enunciado de súmula vinculante, bem como a preliminar de admissão da referida associação como amicus curiae, tendo ela externado pretensão em sustentar oralmente. Sobre o requerimento de admissão da ABLE como amicus curiae digo o seguinte.


Dentre as deliberações conjuntas tomadas na Sessão Administrativa de 23.04.2007, foi aprovada a utilização de um procedimento ad hoc, de natureza simplificada, para a edição de enunciados de súmulas vinculantes de iniciativa interna, ou seja, produzidas por construção coletiva dos próprios membros da Corte, atuação que representará mera cristalização da jurisprudência pacificada no Tribunal. Naquela oportunidade, manifestei-me asseverando que nesse procedimento - distinto do que será implementado, por regulamentação regimental, no caso de
provocação externa, que se dará por meio da atuação dos legitimados arrolados no art. 3º da Lei 11.417/2006 - não há que se falar em admissão formal de terceiros. Essa conclusão é reforçada pela letra do art. 2º, § 2º, da Lei 11.417/06, que atribui ao relator do procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado, a prerrogativa de admitir a manifestação de terceiros na questão.


Ora, a figura do relator somente faz sentido quando a Corte for provocada a editar, a revisar ou a cancelar determinada súmula vinculante, instaurando-se aí verdadeiro contraditório, com abertura de prazos, oitiva de interessados e admissão de manifestação de terceiros.


Além disso, a associação peticionária busca, agora, por meio da ealização de sustentação oral, atuar formalmente no exame plenário de proposta interna de edição de súmula vinculante, procedimento que não se confunde com os diversos julgamentos desta Corte - pelo menos em
número de quatorze - que, em processos judiciais de controle concentrado, já resolveram definitivamente a controvérsia deduzida sobre o tema em questão. Ressalte-se que a solicitante, como mesmo admitiu em seu requerimento - ingressou e participou ativamente em pelo menos três dos julgados já especificados, muito mais, diga-se de passagem, na defesa direta dos interesses de seus associados do que, propriamente, como amiga da Corte.


Assim, por essas razões, manifesto-me, preliminarmente, pela inadmissão da associação requerente como amicus curiae, pela incompatibilidade lógica dessa atividade com a razão de ser da criação legal, paralela à provocação externa, da figura da edição ex officio de enunciados
de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.
Colho os votos. Ministra Cármen Lúcia.
A SRA. MINISTRA CÁRMEN LUCIA - Acompanho Vossa
Excelência.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Ricardo Lewandowski.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Com Vossa Excelência.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -Ministro Eros Grau.
O SR. MINISTRO EROS GRAU - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -Ministro Joaquim Barbosa.
O SR. MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Carlos Britto.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Pela aprovação.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Cezar Peluso.
O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO - Também estou de acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Gilmar Mendes.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Marco Aurélio.
O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, foi admitida a manifestação do terceiro no processo respectivo?
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Estou rejeitando. Nos processos individuais, sim; nas ADIs, ela atuou,inclusive com sustentação oral.
O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - O Tribunal, portanto, admitiu que haveria a pertinência da participação da requerente nos processos individuais?
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -Sim.
O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Apenas para documentação em meu voto, leio o § 2º do artigo 3º da Lei nº 11.417, que disciplina a edição de verbetes vinculantes pelo Supremo:
“Art. 3º (...)Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.O documento pode ser acessado no endereço eletrônico https://www.stf.gov.br/processos/autenticacao sob o número 171919 Je nº 78/2007 - sexta-feira, 10 de agosto Supremo Tribunal Federal 36 § 2º No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”


Pois bem, se o próprio Tribunal, nos processos subjetivos e, talvez,mesmo nos processos objetivos, admitiu a requerente como interessada lato sensu no desfecho desses processos, não vejo como se negar a participação, não mediante sustentação da tribuna, mas a participação no
processo em que se tenha a proposta de verbete que guarde sintonia com a
matéria tratada nos precedentes. Peço vênia para entender que cabe ouvi-la.

A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Ministro Celso de Mello.
O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO - Senhora Presidente,
concordo com o voto de Vossa Excelência e aprovo, por tal razão, o projeto
de enunciado sumular.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Portanto, por maioria, o Tribunal indefere o ingresso, como amicus curiae,da Associação Brasileira de Loterias Estaduais; vencido, no ponto, o Ministro Marco Aurélio que a admite.

Quanto à própria formulação do enunciado, nos diversos precedentes apontados em minha primeira manifestação, esta Corte, na interpretação do art. 22, XX, da Constituição Federal de 1988, foi unânime ao afirmar que a competência para legislar sobre bingos e loterias -atividades abarcadas pelo conceito de sistemas de consórcios e sorteios - é privativa da União, incorrendo em inconstitucionalidade, por vício formal,todo complexo normativo estadual ou distrital - e esse acréscimo foi feito pelo Ministro Marco Aurélio, na referência aos normativos distritais - que
trate do referido assunto.


Assim, diante da necessidade de, uma vez por todas e de modo amplo, fazer valer a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal nesse assunto, manifesto-me favoravelmente à edição do enunciado de súmula vinculante em análise. Registro, por fim, a incansável participação de todos os eminentes Colegas na busca da melhor forma para a edição do presente enunciado.
Além das valiosas participações informais nesse tema, como a que nos brindou o eminente Ministro Carlos Britto, registro, ainda, a louvável colaboração do eminente Ministro Marco Aurélio, consubstanciada nas ponderações contidas no Ofício 12/2007 - GBMA, de 02.05.2007.
Portanto, encaminho pela aprovação. Ministra Cármen Lúcia.
A SRA. MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Pela aprovação.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Ministro Lewandowski.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Aprovo também.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Ministro Eros Grau.
O SR. MINISTRO EROS GRAU - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Ministro Joaquim Barbosa.
O SR. MINISTRO JOAQUIM BARBOSA - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Carlos Britto.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Pela aprovação.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Cezar Peluso.
O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Gilmar Mendes.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES - De acordo.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA) -
Ministro Marco Aurélio.
O SR. MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, o meu reconhecimento pelo registro feito por Vossa Excelência ao trabalho desenvolvido.Tenho uma ponderação e tenho um voto. Voto que é dissonante,como foram os votos em todos os processos sobre a matéria que chegaram
ao Plenário, do entendimento dos demais Colegas.
A ponderação: nesses processos não apreciamos qualquer lei que houvesse disposto sobre consórcios e sorteios. Logo, a referência no verbete a consórcios e sorteios, a meu ver, mostra-se discrepante dos precedentes.
O Tribunal emitiu entendimento sobre a competência exclusiva da União, pouco importando tratar-se de um serviço público de unidade da Federação, para legislar sobre loterias, incluindo aí o bingo. Essa é a ponderação.
Quanto ao teor do verbete, muito embora tenha simplesmente alertado que se precisaria lançar o vocábulo distrital - ato normativo distrital -,pronuncio-me de forma contrária, fazendo-o em consonância - repito - com o que sempre sustentei neste Plenário, muito embora voz isolada.
Voto pela desaprovação.


Continuo convencido de que o poder central não pode disciplinar serviço da unidade da Federação, sob pena de a Federação ser solapada. Peço vênia para reportar-me às razões que lancei no julgamento do primeiro caso, ou seja, da ADI nº 2.847-2/DF:
“Colho da inicial haver resultado a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade, pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo
Brindeiro, de representação formulada por parlamentares integrantes da
Câmara Legislativa do Distrito Federal. A ação está dirigida contra as Leis
Distritais nºs 231, de 14 de janeiro de 1992; 1.176, de 29 de julho de 1996;
2.793, de 16 de dezembro de 2001, e 3.130, de 16 de janeiro de 2003. A
abrangência da medida, a alcançar diplomas suplantados, fez-se
considerado o fato de, fulminado o mais recente, restabelecer-se o anterior.
Eis uma breve síntese da disciplina normativa implementada pelos diversos
instrumentos legais:
a) Lei nº 232, de 14 de janeiro de 1992:
Esta lei autorizou o Governo do Distrito Federal a instituir a Loteria
Social, dando outras providências. Foi prevista a modalidade instantânea,
apontando-se como objetivo maior a captação de recursos para o
financiamento de programas na área social e comunitária. Os recursos
arrecadados seriam aplicados no financiamento de habitação popular, de
infra-estrutura básica e de programas nas áreas da saúde, educação e
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DJe nº 78/2007 - sexta-feira, 10 de agosto Supremo Tribunal Federal 37
esporte amador, de modo a beneficiar, exclusivamente, comunidades
carentes, crianças abandonadas, idosos e ex-presidiários. Constituiu-se um
Fundo Especial e um Conselho de Administração da Loteria Social,
atribuindo-se-lhes a responsabilidade da programação, administração e
exploração das atividades lotéricas, devendo, para tanto, definir projetos e
prioridades de aplicações, acompanhar, fiscalizar e controlar a apuração
dos resultados. O Conselho fez-se composto pelos Secretários da Fazenda
e do Desenvolvimento Social, pelo Presidente do Banco de Brasília, por um
representante dos sindicatos de trabalhadores e por quatro representantes
comunitários, sendo um de instituição beneficente. Impôs-se ao Governo a
obrigação de enviar trimestralmente à Câmara Legislativa relatório
circunstanciado com a especificação da aplicação dos recursos
provenientes da Loteria Social, cumprindo aos membros do Conselho
apresentar, no ato da posse e da exoneração, declaração de bens.
b) Lei nº 1.176, de 29 de julho de 1996:
Este diploma manteve a loteria no âmbito da Secretaria de Fazenda
e Planejamento do Distrito Federal. Quanto à destinação dos recursos,
alargou-a para alcançar não só o financiamento de habitação popular, como
também a infra-estrutura urbana básica, a aquisição de equipamentos para
a segurança pública e a viabilização de programas de prevenção e
repressão ao uso de drogas e de tratamento dos usuários de drogas em
programas de saúde, educação e esporte amador comunitário. Há
referência à atenção preferencial aos setores de baixa renda, beneficiando
crianças, adolescentes, idosos e ex-presidiários. O Banco de Brasília S.A.
foi designado como agente financeiro da Loteria Social, cuja atuação
estendeu-se a ponto de abranger a loteria convencional, com venda de
bilhetes, a instantânea, também a partir de bilhetes, a loteria de concurso, o
sorteio numérico, o concurso de prognósticos, com a indicação, pelo
apostador, de números, símbolos ou figuras, e a loteria mista, com venda de
bilhetes a reunir características de duas ou mais modalidades. Impôs-se o
lançamento, nos bilhetes bem como nas peças publicitárias, da expressão
“Atenção: não coloque em jogo as prioridades de sua família”. Manteve-se o
Conselho composto pelos Secretários de Fazenda e Planejamento e de
Desenvolvimento Social e Ação Comunitária, pelo Presidente do Banco de
Brasília e por três representantes dos trabalhadores, um representante do
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal e
quatro representantes comunitários, um dos quais oriundo de instituição
beneficente. Permaneceram, no mais e no que interessa, os dados relativos
ao diploma anterior.


c) Lei nº 2.793, de 16 de outubro de 2001:
Dispôs-se, neste ato normativo, sobre a destinação de recursos,
fixando-se em 50% aqueles reservados ao atendimento dos portadores de
deficiência, 25% para as ações voltadas às crianças e aos adolescentes e
25% para os programas concernentes aos idosos. Previu-se a fiscalização
da aplicação dos recursos e deu-se nova definição ao Conselho de
Administração, incluindo-se o Presidente do Conselho de Assistência Social
do Distrito Federal, o Diretor da Diretoria para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência da Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos, o
Presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, o titular
da Gerência para Assuntos do Idoso da Subsecretaria de Direitos Humanos
da Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do Distrito Federal.
Mencionou-se a participação de um representante comunitário oriundo de
instituição beneficente indicado pelo Conselho de Entidades de Promoção e
Assistência Social do Distrito Federal e de um representante da Associação
Nacional das Loterias Governamentais.

d) Lei nº 3.130, de 16 de janeiro de 2003:
Mediante este diploma, imprimiu-se nova redação ao artigo 1º e
dispôs-se sobre a presidência do Conselho de Administração pelo
Secretário de Estado de Ação Social, versando-se ainda acerca da
Subsecretaria de Captação de Recursos.

Na assentada em que teve início o julgamento, o relator, ministro
Carlos Velloso, concluiu pela inconstitucionalidade das leis referidas,
seguindo-se o pedido de vista do ministro Carlos Ayres Britto, que veio a
votar em idêntico sentido. Salvo engano, o relator entendeu pelo conflito das
normas legais com a competência exclusiva da União prevista no artigo 22,
incisos I e XX, da Constituição Federal, enquanto o ministro Carlos Ayres
Britto ressaltou que o Distrito Federal acabou por legislar, sem base, em
“regime jurídico central de sorteio já vigorante no âmbito da União”.
Inicialmente, excluo a possibilidade de ter-se o conflito dos diplomas
emanados da Câmara Distrital com o artigo 21, inciso I, da Constituição
Federal, porquanto, em momento algum, abrangem texto sobre Direito Penal.
A circunstância de o Estado membro disciplinar certa matéria,
regulamentando-a, como é o caso da relativa às loterias, não implica afirmar
haja legislado no tocante ao Direito Penal. Não se editou legislação a revogar
a Lei das Contravenções Penais, valendo notar que, considerado o Decreto-
Lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, a glosa penal, sob o ângulo da
contravenção, diz respeito à extração de loteria sem concessão regular do
poder competente.
O que cumpre examinar é a competência para legislar
sobre loterias, visando ao funcionamento destas, presente o disposto no
inciso XX do artigo 22 da Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
.............................................
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
.............................................
Em síntese, ter-se-ia como adentrado o campo do Direito Penal caso
dispusesse qualquer das leis atacadas nesta ação direta de
inconstitucionalidade sobre contravenção penal, excluindo-a, na linha direta,
do cenário jurídico. No caso, o preceito do Decreto-Lei nº 6.259, de 10 de
fevereiro de 1944, limita-se a glosar a prática lotérica sem a existência de
concessão e, na espécie, discute-se a competência para regular tal prática, o
que se circunscreve a campo estranho ao penal.


No mais, os autores não
divergem sobre a definição do serviço de loteria como público, definição que
decorre da lei, segundo Miguel Reale, Diogo de Figueiredo Moreira Neto,
Celso Antônio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso. O legislador, como
ressaltado por Celso Antônio Bandeira de Mello em “Curso de Direito
Administrativo”, “erige, ou não, em serviço público tal ou qual atividade,
desde que respeitados os limites constitucionais”. Em artigo publicado em
“Temas de Direito Constitucional”, Luís Roberto Barroso aduz que a atividade
de exploração de loterias é considerada como serviço público por definição
legislativa desde 1932, aludindo ao Decreto, desse ano, de nº 21.143, e aos
Decretos-Leis sucessivos nºs 2.980/41, 6.259/44 e 204/67, sendo que, no
último, dispôs-se:
Art. 1º. A exploração de loteria, como derrogação excepcional das
normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não
suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente
Decreto-Lei.


Inegavelmente, com esse preceito criou-se o monopólio da União
para a exploração das loterias (gênero).
Ainda sob a égide da Constituição anterior, Caio Tácito produziu
artigo sob o título “Loterias Estaduais (criação e regime jurídico)” publicado
na Revista de Direito Público nº 77, de 1986, às páginas 78 e 79. Apontou o
autor o conflito da norma do Decreto-Lei nº 204/67 com o princípio da
autonomia estadual. Remeteu à regra segundo a qual aos Estados são
conferidos todos os poderes que explícita ou implicitamente não lhes sejam
vedados - presente o artigo 13, § 1º, da Carta à época em vigor e, hoje, a
cláusula do § 1º do artigo 25 da Lei Máxima de 1988, a revelar que são
reservadas aos Estados as competências que não lhe sejam vedadas na
própria Constituição.
Evocando a convivência, constitucionalmente ordenada,
entre o poder central e os poderes locais, ressaltou o jurista caber aos
Estados membros a administração dos próprios serviços e, a fortiori, a
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competência de criá-los conforme opção política.


No mesmo sentido, emitiu parecer o ministro desta Corte Oswaldo Trigueiro, em 1985, assentando que
“a Constituição não impede o funcionamento da loteria estadual. Primeiro,
porque não atribui esse serviço à União, com exclusividade. Segundo,
porque não proíbe de forma expressa, ou simplesmente implícita, a
existência das loterias estaduais. (...) Se a União pudesse, por lei ordinária,
tornar exclusivo um serviço público que a Constituição não proíbe aos
Estados, a autonomia destes estaria reduzida a letra morta; a legislação
comum poderia aumentar desmedidamente a área de competência federal,
estabelecendo a exclusividade da maioria dos serviços públicos
concorrentes ou de exclusividade estadual”. O parecer foi publicado na
Revista de Direito Público nº 76, de 1985, às páginas 38 e 39.


Nessa mesma linha, pronunciou-se o saudoso Geraldo Ataliba,
salientando que “só são exclusivas da União as competências arroladas no
artigo 8º da Constituição Federal. Estas o Estado Federado não pode
desempenhar, sem acordo com a União. As demais possíveis atividades
públicas - ex vi do preceito do § 1º do art. 13 - podem ser exercidas pelos
Estados concorrentemente, ou não, com a União”. Em passo seguinte,
adentrando a exploração de loterias e similares, concluiu o publicista tratarse
de “atividade subsumível no conceito lato de serviço público”. Quanto à
competência da União para legislar sobre Direito Penal, disse da
impossibilidade de dar-se a esse enfoque alcance superlativo, a ponto de
chegar-se à proibição, aos Estados, do exercício de uma atividade que é
qualificada como serviço público e que, segundo lições expendidas, rege-se
pelas leis que o ente federado vier a adotar. Confira-se com artigo constante
da Revista de Direito Público nº 91, página 96, de Carlos Ari Sundfeld, sob o
título “Loterias Estaduais na Constituição de 1988”.


Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em 1987, consignou que “o
congelamento do status quo fático das loterias estaduais decidido por uma
lei da União fere esta basilar isonomia”, referindo-se ao artigo 9º, inciso I, da
Carta em vigor, no que preceituava ser vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal, aos Territórios e aos Municípios criar distinções entre
brasileiros ou preferências em favor de uma dessas pessoas de direito
público interno contra outra.


É sabença geral constituir premissa básica do federalismo que
somente à Constituição Federal cabe restringir a autonomia dos Estados
membros. Resta saber: tem-se na previsão do inciso XX do artigo 22 da
Carta da República abrangência a ponto de alcançar as loterias estaduais
nas diversas espécies? A competência privativa da União para legislar
sobre sistemas de consórcios e sorteios apanha as loterias estaduais? Eis a
questão constitucional da maior relevância com a qual se defronta a Corte,
não havendo espaço para óptica que, escapando da seara jurídicoconstitucional,
situe-se em outras mais amplas, mesmo porque a União
explora, com largueza maior, a atividade lotérica.


Sob o ângulo do monopólio, bem ressaltou Fábio Konder
Comparato em “Monopólio Público e Domínio Público - exploração indireta
da atividade monopolizada”, publicado em “Direito Público: Estudos e
Pareceres”, 1996, página 149, que a Carta atual, ao contrário das
Constituições de 1946 e 1967-69, mostra-se taxativa quanto aos setores ou
atividades em que se tem o monopólio estatal, agora deferido
exclusivamente à União. Então, o consagrado mestre proclamou que a lei já
não pode criar outros monopólios não estabelecidos expressamente no
texto constitucional. No mesmo sentido é a lição de Pinto Ferreira, também
mencionada no parecer “Natureza Jurídica das Loterias e Bingos -
Competência dos Estados-membros na Matéria”, de Luís Roberto Barroso:
“Só existem monopólios criados pela Constituição”. A Lei Máxima não
reserva o serviço público de loterias expressamente à União, ficando
afastada, assim, a possibilidade de cogitar-se de monopólio.



Daí a perplexidade gerada com a inserção, na Medida Provisória nº
2.216-31, de 31 de agosto de 2001, do artigo 17 emprestando nova redação
ao artigo 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1968, que, revogada pela
Medida Provisória nº 168, de 20 de janeiro de 2004, voltou a vigorar, no que
o Senado retirou do cenário jurídico o último diploma, ou seja, a medida
provisória proibitiva dos bingos.
Art. 17. O art. 59 da Lei 9.615, de 24 de março de 1988, passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de
competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa
Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do
respectivo regulamento.
Eis mais uma serventia encontrada para esse instrumento
excepcional de normatização que é a medida provisória - criar o monopólio
ligado à área da loteria!


A visão primeira do inciso XX do artigo 22 da Carta Federal, a versar
sobre sistemas de consórcios e sorteios, reservando-os à disciplina pela
União, conduz à conclusão sobre a abrangência a ponto de alcançar loterias.
Afinal, estas submetem-se a sistema de sorteio. Todavia, os dois vocábulos -
consórcio e sorteio -, conforme ressaltado por Luís Roberto Barroso, jamais
englobaram o serviço lotérico. Cita o autor a Lei nº 5.768/71, no que tratou do
sorteio de consórcio, da distribuição gratuita de prêmios a título de
propaganda e das operações voltadas à aquisição de bens de qualquer
natureza, sendo que nesse diploma a única referência a loteria fez-se,
considerada a seriedade, mediante remissão para definir os participantes
contemplados. A Lei nº 5.864/72 cuidou dos sorteios organizados por
instituições declaradas de utilidade pública para custeio de obras sociais,
nenhuma ligação havendo com a exploração de loterias pelo poder público.


Cretella Júnior, em “Comentários à Constituição de 1988”, volume III,
página 1579, registrou que, pela primeira vez, a Carta da República conferiu
à União competência privativa para legislar sobre consórcios e sorteios.
Então, o autor traçou um paralelo entre a inflação e a competência constante
do inciso anterior, ou seja, do inciso XIX, para legislar sobre sistemas de
poupança, captação e garantia - dada a perda do poder aquisitivo da moeda
- da poupança popular. Ora, ante as interpretações possíveis, deve-se
buscar a que mantenha íntegro o sistema, preserve a própria Federação. A
Constituição Federal, conforme destacado por Carlos Ari Sundfeld no artigo
mencionado, não prevê a competência da União para legislar sobre loterias.
A junção, no inciso XX, dos vocábulos “consórcios” e “sorteios” é conducente
a chegar-se à identidade entre eles. Tem-se, então, o texto a apanhar os
sorteios que se façam ligados a atividade financeira assemelhada aos
consórcios. Colho, ainda, do parecer de Luís Roberto Barroso, que a
Constituição, quando se refere à modalidade lotérica, utiliza a expressão
“concurso de prognósticos” - inciso III do artigo 195 -, o mesmo se
constatando em diploma legal de índole ordinária - a Lei nº 6.717, de 12 de
novembro de 1979, no que autorizou a Caixa Econômica a realizar, como
modalidade da Loteria Federal regida pelo Decreto-Lei nº 204, de 27 de
janeiro de 1967, presente o gênero “serviço público”, concurso de
prognóstico sobre os resultados de sorteios de números, promovido em
datas fixadas, com distribuição de prêmios mediante rateio. Aqui, sim, atuou
a União e fê-lo porquanto envolvido um serviço público de índole federal,
aludindo-se, expressamente, à modalidade “loteria federal”, contrapondo-se a
esta a loteria estadual.


O que se nota, a esta altura, é que, ante possíveis desvirtuamentos
de objetivo verificados em uma espécie de loteria, a dos bingos, já que estes
também dependem de sorteio para obter-se prêmio, confundem-se conceitos
e, com isso, é colocado em jogo todo o sistema de loteria estadual existente
no País, emprestando-se, para tanto, ao inciso XX do artigo 22 da
Constituição Federal, alcance incompatível com o fato de viver-se em uma
Federação, o que pressupõe, necessariamente, a reserva e a manutenção,
relativamente aos entes federados, da disciplina normativa dos serviços
públicos que resolvam prestar. O remédio para os desvios de conduta
porventura existentes não é esse, sob pena de inconcebível retrocesso
constitucional. As leis atacadas nesta ação direta de inconstitucionalidade
disciplinam a loteria - gênero, como se tem em quase todos os Estados
pouco importando que abranja a nova modalidade - a que se faz
sob a nomenclatura “bingo”, geradora de toda essa celeuma no campo
administrativo e político-legislativo.
Perceba-se o alcance do estrago que uma concepção
centralizadora ocasionará. A loteria estadual, sempre revelada como serviço
público e voltada ao amparo social especialmente dos menos afortunados,
está em todos os Estados, sendo exceção única o do Amapá, no que o
Chefe do Poder Executivo nos dois mandatos que antecederam ao atual,
governador João Capiberibe, vetou projetos que visavam a regulá-la.

Também não cabe, diante da modalidade “bingo”, distinguir essa espécie,
considerando-a, quanto à normatividade e até mesmo à exploração,
primazia da infalível atuação federal. A sorte lançada, para usar vocábulo
pertinente à matéria, é ampla. Ou bem se conclui que a previsão do inciso
XX do artigo 22 da Constituição Federal diz respeito a consórcios e sorteios,
sem a abrangência a ponto de solapar o princípio - até hoje não colocado
em dúvida - consoante o qual ao Estado membro cumpre legislar sobre os
próprios serviços públicos,
ou, mitigando-se o federalismo, em concentração
ímpar, não notada sequer no regime de exceção que precedeu os novos
ares democráticos, a Carta de 1988, assenta-se a insubsistência, a ilicitude
de toda a legislação estadual que até aqui foi observada, atribuindo-se à
União legitimidade constitucional para legislar sobre a loteria estadual, essa
espécie de serviço público. Este julgamento ganha, portanto, sentido maior,
presentes quer as inúmeras ações em andamento contra leis de outros
Estados, quer a sinalização ao Congresso Nacional, aos deputados e
senadores, sobre o fidedigno alcance da Carta da República.
É certo que a chamada Lei Zico - Lei nº 8.672, de 6 de julho de
1993 - veio a disciplinar o bingo, buscando-se, com isso, recursos para o
setor de desportos. A seguir, a Lei Pelé - Lei nº 9.615, de 24 de março de
1998 -, revogando inteiramente o diploma primitivo, manteve os bingos
como fonte de recursos para tal setor. Todavia, isso se fez no campo
federal, sem prejuízo da atividade dos Estados, mesmo porque, no Estado
do Rio de Janeiro, legislação anterior às duas federais referidas, a Lei nº
2.055, de 25 de janeiro de 1993, já autorizava a Loterj a promover o sorteio
em tal modalidade.


Por entender que não se tem, no inciso XX do artigo 22 da
Constituição Federal, a competência exclusiva da União para legislar sobre
loterias, o que acabaria por colocar as diversas loterias estaduais na
clandestinidade, peço vênia ao relator para julgar improcedente o pedido
formulado, ressaltando, mais uma vez, que se está a tratar não apenas da
espécie “bingo”, mas do gênero loteria. É como voto na espécie”.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Ministro Celso de Mello.
O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO - Senhora Presidente, aprovo
o projeto de enunciado sumular, com a devida vênia.
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE E RELATORA)
- Proclamo, portanto, o resultado: o Tribunal, por maioria, aprovou o verbete
proposto no Processo nº 327.880, vencido o Ministro Marco Aurélio, que
rejeitava a proposta.


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