domingo, 31 de julho de 2011

Questão 100 da prova da OAB - FGV


Ilmo Senhor(a)


Questão 100.

Em sua primeira viagem com seu carro zero quilômetro, Joaquim, fechado por outro veículo, precisa dar uma freada brusca para evitar um acidente. O freio não funciona, o que leva Joaquim, transtornado, a jogar o carro para o acostamento e, em seguida, abandonar a estrada. Felizmente, nenhum dano material ou físico acontece ao carro nem ao motorista, que, muito abalado, mal consegue acessar seu celular para pedir auxílio. Com a ajuda de moradores locais, se recupera do imenso susto e entra em contato com seus familiares. Na qualidade de advogado de Joaquim, qual seria a orientação correta a ser dada em relação às providências cabíveis?

a) Propositura de ação de responsabilidade civil pelo fato do produto em face do fabricante do veículo.



b) Não há ação a ser proposta porque não houve dano.



c) Propositura de ação de responsabilidade civil pelo fato do produto em face da concessionária que vendeu o veículo a Joaquim.



d)Propositura de ação de responsabilidade civil pelo vício do produto em face do fabricante e da concessionária, uma vez que a responsabilidade é solidária.


DO RECURSO


Passamos da premissa, de quê o consumidor ao desejar uUr ir Ímveicula sempre procura algumas concessionárias revendedora do produto (esta por sua vez, faz negócio jurídico com a fabricante do veiculo) e, busca as melhores propostas para fechar o negócio jurídico. O Código de Defesa e Proteção do Consumidor, lei 8078 de 11 de setembro de 1990, trata justamente deste tipo de relação na qual temos o pólo ativo ocupado pelo Consumidor (art. 2º) e no pólo passivo o Fornecedor (art.3º).


Tal código foi promulgado sobre o lastro do art. 5º, inciso XXXII; art. 170, inciso V, da Constituição de 1988. (VENOSA, 2005, p.218). Um dos pilares onde está firmada a legislação consumeirista é a de que o consumidor e a parte mais fraca da relação, devendo esta diferença ser eqüalizada com o Princípio da Proteção do Consumidor, de um lado existe o Fornecedor, que possui o poder financeiro, a pecúnia, já do outro lado temos consumidor que e resguardado pela lei protecionista.


I – DA PERFEITA APLICAÇÃO DO ARTIGO 18 DO CDC NESTA SITUAÇÃO CONCRETA


Quando um consumidor faz uma compra, inconscientemente ele exige do fornecedor que o produto ou serviço esteja pronto para uso, e que este não possua nenhuma avaria ou algum vício que o diminua o valor ou que o impossibilite de utilizá-lo normalmente.

O CDC em seu art. 18 é bem claro neste sentido, in verbis:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.(...)


Pensando nisso o legislador definiu como padrão a responsabilidade civil objetiva nas relações consumeiristas, fundamentado na teoria do risco, que é uma das características da relação empresarial.


II - DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS FORNECEDORES


Este aspecto deve ter relevância na questão em análise, e deve ser analisado cautelosamente sem causar dano ao consumidor, sem deixá-lo na dúvida, sem saber de quem deve cobrar a reparação do dano. Assim, tal questão deve ser analisada sobre a responsabilidade dos fornecedores. Primeiramente relembraremos o conceito de fornecedor, que está no caput do art. 3o do CDC.


"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."


E a jurisprudência reafirma:


"Entendo que para qualificar-se uma pessoa como fornecedor de acordo com o regime jurídico especial previsto pela Lei nº 8078/90, é necessário que essa pessoa física ou jurídica exerça a atividade econômica com profissionalidade, ou seja, continuamente." (AGI656396, Acórdão nº 89902, Relator Hermenegildo Gonçalves, 2ª Turma Cível, julgado em 21/10/1996, DJ 27/11/1996 p. 21.905)


Como já visto anteriormente, nos casos de vícios dos produtos, aplica-se o disposto no caput do artigo 18, o qual define a responsabilidade solidária dos fornecedores. O Código Civil afirma expressamente em seu art. 264 que existe solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.


A doutrina tece os seguintes comentários:


O termo fornecedor é o gênero daqueles que desenvolvem atividades no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a "fornecedor " está envolvendo todos os participantes que desenvolvem atividades, sem nenhuma distinção. E esses fornecedores, diz a norma, respondem "solidariamente". (Aliás, lembre-se: essa é a regra da responsabilidade no CDC, conforme já demonstrado.)


Desta forma, a norma do caput do art. 18, do CDC coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo seus direitos (NUNES, 2005, p.170) (Grifo nossos)


Zelmo Denari comentando o artigo em questão faz as seguintes observações:


1 SUJEIÇÃO PASSIVA Preambularmente, importa esclarecer que no pólo passivo desta relação de responsabilidade se encontram todas as espécies de fornecedores, coobrigados e solidariamente responsáveis pelo ressarcimento dos vícios de qualidade ou quantidade eventualmente apurados no fornecimento de produtos ou serviços.


Prevalecem, no caso em tela, a regra geral da solidariedade passiva. Assim, por um critério de comodidade e conveniência o consumidor, certamente, dirigirá sua pretensão contra o fornecedor imediato, quer se trate de industrial, produtor, comerciante ou simples prestador de serviços. Se ao comerciante, em primeira intenção, couber a reparação dos vícios de qualidade ou quantidade nos termos previstos no § 1 do art. 18, poderá exercitar ação regressiva contra o fabricante, produtor ou importador, no âmbito da relação interna que se instaura após o pagamento, com vistas à recomposição do status quo ante (GRINOVER, 1998, p.168). (grifo nosso)


O autor Sílvio de Salvo Venosa em sua doutrina referente a responsabilidade civil, também entende a seguinte forma: Nessas situações de responsabilidade por vício do produto e do serviço a responsabilidade é mais ampla. Além de ser solidária entre todos os fornecedores, também abrange o comerciante, podendo o consumidor escolher contra quem dirigir sua proteção.(VENOSA, 2005, p. 237)


Cabe ressaltar que, os comerciantes utilizam-se reiteradamente de uma interpretação extensiva totalmente equivocada, onde alegam em sua defesa que o art. 13 do CDC os concede o direito de exclusão do pólo passivo da lide todas as vezes que houver a possibilidade de identificação dos fabricantes ou importadores. Diante disto, os mesmos se mantém inerte, esperando a resolução pelo fabricante, dificultando assim o trabalho da Justiça e de órgão de proteção e defesa do consumidor.


Cláudia Lima Marques explica que devem se responsabilizar todos aqueles que ajudaram a colocar o produto no mercado, iniciando-se do fabricante, passando pelo distribuidor e finalizando pelo comerciante (qual contratou com o consumidor). Sendo que cabe a cada um deles a responsabilidade pela garantia do produto. (MARQUES, 1999. p. 450)


Esta solidariedade passiva também é prevista no código civil, nos seguintes termos:


"Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores."


A jurisprudência pátria também entende que a lei possibilita a responsabilização do comerciante para sanar o vício do produto e do serviço:


Jurisprudência:


CIVIL - CDC - COMPUTADOR - DEFEITO NA PLACA MÃE - VÍCIO DO PRODUTO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FABRICANTE E O FORNECEDOR DO PRODUTO. 1. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Preliminar de ilegitimidade passiva que se rejeita em razão da solidariedade entre o fabricante do produto e a empresa que o revende. 2. Demonstrado nos autos o vício de qualidade do produto, cabe ao consumidor a escolha entre a troca ou a restituição do valor pago. 3. Não sanado o vício no prazo de trinta dias, a empresa que vende computador que apresenta defeito na placa mãe, deve restituir o valor recebido. 4. Multas aplicadas pelo Procon/DF não afastam o dever de restituição que recai sobre o fornecedor, uma vez que possuem fundamento fático e legal distintos. Recurso improvido. .(20050110940580ACJ, Relator ESDRAS NEVES, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 06/06/2006, DJ 03/07/2006 p. 129)


Turma Julgadora do Estado de Goiás também firma este posicionamento


"CONSUMIDOR. VICIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. I - art. 13 do cdc se refere exclusivamente a responsabilidade do fato do produto ou servico, nao se aplicando ao caso em comento, mas sim o art. 18 c/c art. 2 do cdc, relativo ao vicio do produto ou serviço, impondo-se a responsabilidade solidária dos fornecedores de produtos pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo, sendo certo que fornecedor e tanto o fabricante quando o distribuidor ou comerciante do produto, por isso este e parte legitima para figurar no polo passivo da ação que visa a restituição da quantia paga... - inteligência do art. 18 parag. 1, II do CDC. recurso conhecido e improvido." escrivania do 1. juizado especial cível, 200302267985, recorrente: Novo Mundo Móveis e Utilidade recorrido: Luciano dos Santos Brito (grifo nosso)


E os ministros do STJ reafirmaram este posicionamento:


CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPRA DE VEÍCULO NOVO COM DEFEITO. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor. 2. Afastada a ilegitimidade passiva e considerando que as instâncias ordinárias reconheceram a existência dos danos, é possível passar ao julgamento do mérito, estando a causa madura. 3. A indenização por danos materiais nos casos do art. 18 do Código de defesa do Consumidor esgota-se nas modalidades do respectivo § 1º. 4. Se a descrição dos fatos para justificar o pedido de danos morais está no âmbito de dissabores, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade, o dano moral não é pertinente. 5. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

No voto do relator o sr. ministro Carlos Alberto Menezes fez as seguintes considerações:


(...) Com razão a recorrente no que concerne à incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não dos artigos 12 e 13 do mesmo Código. De fato, em outras ocasiões, diante de situações semelhantes, compra de veículo novo apresentando defeitos como vazamento de óleo, de motor, câmbio, capota, esta Corte decidiu na forma postulada no especial (REsp nº 185.836/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 22/3/99; REsp nº 195.659/SP, de minha relatoria, DJ de 12/6/2000; AgRgAg nº 350.590/RJ, de minha relatoria, DJ de 25/6/01; REsp nº 445.804/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 19/5/03). Se incide o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, não é possível afastar a solidariedade entre os fabricantes e os fornecedores, "sem as restrições opostas pelo art. 13" (REsp nº 142.042/RS, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19/12/97). Na mesma linha, a Quarta Turma, em outro precedente, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu que, em princípio, "considerando o sistema de mercialização de automóvel, através de concessionárias autorizada, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo" , com o que "a demanda pode ser direcionada contra qualquer dos co-obrigados." (REsp nº 402.356/MA, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03; no mesmo sentido: REsp nº 286.202/RJ, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19/11/01). (...)


Cabe somente ao consumidor a escolha sobre quem deverá requerer a efetivação do seu direito, assim como entende Cláudia Lima Marques, in verbis:


No sistema do CDC, a escolha de tal dos fornecedores solidários será sujeito passivo da reclamação do consumidor cabe a este último. Normalmente, o consumidor preferirá reclamar do comerciante mais próximo a ele, mais conhecido, parceiro contratual identificado, mas o fabricante, muitas vezes o único que possui conhecimentos técnicos para suprir a falha no produto, será eventualmente demandado a sanar o vicio. (...) Na cadeia de produção todos são responsáveis da mesma maneira, podendo haver ação de regresso do comerciante. (MARQUES, 1999, p. 457)

III. Do Pedido


“Ex positis”, requer a V.Sra., se digne a determinar:
a) que seja considerada como correta a reposta da alternativa D, por preencher todos os requisitos legal, e da lei brasileira, pertinente a proteção ao consumidor no caso concreto ou,
c) que tal questão seja anulada por conter “duas” possibilidades de respostas corretas, ou seja, por ser ambígua, pois nada impede que o consumidor intente com ação contra a concessionária (fornecedora / revendera direta), bem como contra o fabricante (fornecedor / revendedor indireto).


Termos em que, pede e espera deferimento.
Belém, PA.../.../....

Observação: esta questão foi anulada.

BIBLIOGRAFIA
GRINOVER, Ada Pellegrini - Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. - Rio dc Janeiro: Forense Universitária, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, ed. RT, São Paulo, 1999
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do Consumidor, ed. Saraiva . 2005
VENOSA, Sílvio de Salvo. Da responsabilidade Civil, Ed. Atlas. 2005.

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