sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O Direito em Roma

Nofinal da Antigüidade, a partir do ano 50 a.C., Roma passou a assumir o predomínio militar, conquistando os reinos helênicos de onde importam a cultura e divulgam em língua latina. Roma havia sido uma província da cultura grega, e a filosofia grega continuou a desempenhar papel de relevância durante o período conhecido como período romano.


Por outro lado, entrando em contato com outros povos, os romanos compõem um sistema filosófico eclético ou misto – ecletismo é doutrina que tenta conciliar as divergentes escolas filosóficas da Antigüidade – retirando de cada contribuição o que se apresentava como melhor, o mais verdadeiro.


A característica histórica mais marcante do direito romano é, sem dúvida sua independência quase perfeita da religião e da moral, e também uma noção de soberania de Estado verdadeiramente estranha à Grécia. A característica filosófica é o ecletismo, a falta de originalidade, a coerência e sobretudo o cunho pragmático de seu sistema filosófico.


O estoicismo desempenhou apenas um papel secundário, apesar dos tratados teóricos, como “As Leis” de Cícero, ou de uma definição estóica de justiça como a de Ulpiano: “a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu”. Assim, não há unanimidade entre os pensadores de se atribuir ao estoicismo a noção de direito natural e muitos lhe dão uma origem puramente romana.


Na verdade a doutrina do direito de Aristóteles parece ter presidido a gênese da ciência jurídica romana. Muitos pensadores acreditam que os juristas romanos tenham sofrido influência do estoicismo, mas o estoicismo, depois do desmoronamento das cidades gregas após Alexandre, desinteressaram-se pelo direito, cultivando sobretudo a moral, embora o estoicismo médio tenha influenciado os jurisconsultos romanos.


A Filosofia do Direito que a Antigüidade produziu (tomando-se a palavra direito em sentido estrito) é a de Aristóteles. Ela era conhecida em Roma e se prestava a informar o direito romano. Roma era uma cidade e uma república como antes era Atenas. E a república romana dispunha de um processo judiciário e de órgãos especializados comparáveis à justiça grega. A diferença é que Roma dispunha de uma instituição, desconhecida em Atenas, embora enunciada, em grandes linhas pela Retórica de Aristóteles: uma corporação de jurisconsultos que tinham por função guiar o juiz no processo, anunciando as regras de direito. Graças aos trabalhos dos jurisconsultos, Roma criou a ciência do direito.


Os romanos adotaram as doutrinas helênicas, simplificando-as. Sua originalidade prática, objetiva, imediatista, metódica e utilitarista é expressa no sistema jurídico – o Corpus Juris Civilis (Corpo de Direito Civil) – de cunho casuísta, cujas peças mais importantes são as Institutas e o Digesto.


De modo geral, a influência dos pensadores gregos é constante nas obras de Cícero, Sêneca, Lucrécio, Marco Aurélio, assim como nos escritos jurídicos de Celso, Ulpiano, Gaio, Papiniano, Paulo e Modestino.



Estoicismo romano ou novo estoicismo


Marco Tulius CÍCERO, filósofo e orador, uma das mais significativas figuras do pensamento antigo, é peça indispensável na história. Contribuiu decisivamente para a divulgação do mais importante da tradição intelectual grega no mundo romano e muitas de suas obras foram lidas com freqüência por filósofos posteriores, pagãos e cristãos. A ele coube a maior influência exercida na formação do vocabulário latino.



Quanto ao conteúdo, o pensamento filosófico de Cícero é considerado por alguns como essencialmente eclético, por outros como estóico, apesar de também ser comumente considerado um dos membros da nova Academia platônica.



Na ética, Cícero inclinou-se para a doutrina estóica, mas sem rigor extremado: segundo Cícero, os bens não eram inteiramente indiferentes à realização e desenvolvimento da virtude. Os três livros Sobre os Deveres ou De Officiis, dedicado a seu filho Marcos, Cícero discorre sobre a honestidade e suas quatro fontes principais: a verdade, a justiça, a coragem e a moderação. Em suas obras de filosofia política, De Republica e De Legibus (imitação livre das obras de mesmo nome de Platão) onde expõe o problema da melhor forma de governo, defendendo os ideais da República romana frente a todos os falsos realismos que ameaçavam em sua época em destruir o que ele considerava as verdadeiras realidades: as tradições susceptíveis de transformação contínua e sem violência. A melhor forma de governo é a da república de Roma.



No De Legibus, trata do problema das relaçòes entre o direito positivo e a justiça ideal, prevalecendo evidente influência da escola estóica, matizada pela teoria platônica sobre o conceito absoluto da Justiça. Justitia est ea virtus quae sua cuique distribuit (A Justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu). O justo existe por si mesmo, está na natureza e antecede a qualquer lei escrita. Pode ser apreendido pelos homens através da razão comum, de origem divina, que é a verdadeira lei. Dessa lei natural (ratio summa insita in natura), espírito divino, razão soberana e eterna, nasce o Direito (jus). As leis humanas só podem ser consideradas como tais quando participam da lei eterna.


Cícero concebe o Direito natural como a suprema razão insita na natureza, lei não escrita, mas nata, a qual não aprendemos, mas recebemos, lemos e extraímos da própria natureza.



“Há certamente uma lei verdadeira, a reta razão conforme a natureza, difundida entre todos,constante, eterna, que com a sua ordem convida ao dever e com a sua proibição afasta da fraude... A essa lei não é lícito fazer alterações, nem tirar-lhe o que quer que seja, nem anulá-la em bloco... Ela não será diferente em Roma ou em Atenas ou de hoje para amanhã, mas como única, eterna imutável lei, governará todos os povos e em todos os tempos, e uma só divindade será guia e chefe de todos: a que encontrou, elaborou e sancionou essa lei; e quem não lhe obedecer, fugirá de si mesmo e, por haver renegado a própria natureza humana, descontará as mais graves penas mesmo se tiver conseguido escapar daquilo que em geral é considerado suplício”. (De Rep., III, 33).



Esse conceito de Direito induzia, entre outras coisas, a também reconhecer a igualdade de todos os homens, dado que em todos os homens, pela sua natureza racional, revela-se a lei eterna da razão.



Da mesma forma, encontra-se em Cícero, um dos corolários mais importantes da doutrina do Direito Natural, isto é, que o princípio e o fundamento de todo Direito devem procurar-se naquela lei natural que foi emanada antes de existir qualquer Estado e que, portanto, se o povo ou o príncipe podem fazer leis, estas não tem um verdadeiro caráter de Direito se não são derivadas da lei natural.



Lúcio Aneu SÊNECA: Nasceu em Códoba, Espanha, tendo recebido esmerada educação, por 16 anos, em casa de uma tia, cujo marido era prefeito do Egito.


Foi preceptor e depois ministro de Nero. Mais tarde caiu em desgraça, suicidando-se. Sua doutrina era predominantemente ética. Para ele, há em todos os homens, sem distinção de classes, uma centelha divina. A felicidade não tem relação com o mundo exterior, encontrando-se no íntimo de cada um. Existe um destino, ao qual o homem não pode fugir, sob pena de ser por ele arrastado. A suprema virtude é compreender esse destino.



Como conseqüência dessa doutrina ética, considerava o Estado e as leis como parte dos males do mundo, em oposição a um mundo interior e ultraterreno. Também fez ressurgir a tradição do antigo estoicismo sobre a existência de uma Idade do Ouro, quando o homem não conhecia a propriedade particular e nem as leis, o governo ou qualquer outra forma de coação.


- Sêneca reiterou as afirmações de Cícero, no qual se encontra também o “estado de natureza” que deveria dominar o pensamento político por muitos séculos. Segundo essa teoria, antes das instituições que a sociedade criou por convenção, existiu uma idade em que os homens viveram sem lei, confiados unicamente à inocência da natureza original. Viviam felizes gozando da sociedade recíproca. Não eram virtuosos, porque a sua inocência era feita de ignorância, ao passo que a virtude é própria da alma doutrinada e experiente. Mas a ordem em que viviam era a melhor possível porque ditada pela própria natureza e os próprios chefes se inspiravam na sua sabedoria.



Dessa forma, o mito da idade do ouro torna-se um mito filosófico-jurídico, porque se une à noção de Direito Natural e é caracterizado por ela. Mas fora desse mito, os juristas romanos elaboraram uma doutrina do Direito bastante semelhante à dos estóicos.


Epicteto: Filósofo estóico, era um escravo que nada deixou escrito, sabendo-se de seus discursos através de seu discípulo, o historiador Flávio Arriano que compilou seus conhecimentos numa obra com o nome “Manual de Epicteto”. Epicteto viveu em Roma como escravo de Epafrodito. Depois foi expulso de Roma por Domiciano no ano 90, retirou-se para Nicópolis (Épiro).


Para Epicteto, o homem é uma centelha divina e Deus o fez livre. A liberdade é interior, consistindo em fugir das falsas opiniões e da intranqüilidade gerada pelo desejo de bens exteriores, praticando a virtude. Não há diferenças entre escravos e senhores, pelo princípio racional da liberdade. Pelo contrário, o escravo pode ser, moralmente, superior ao dono, quando este é prisioneiro de paixões e cobiças. O sábio não se opõe às leis do Estado, mas reserva para si a liberdade interior, que os bens ou males externos não podem afetar.


Caio MUSSÔNIO Rufo: Filósofo estóico, nascido na Etrúria. Abriu em Roma uma escola que adquiriu grande fama. Unindo-se ao partido de oposição a Nero acabou sendo desterrado, retornando a Roma sob o reinado de Vitélio.



À semelhança de Sêneca, dava grande valor à moral, considerando-a a parte mais importante da filosofia. Pregava a existência de uma pátria e de um direito comum a todos os homens, que são cidadãos do mundo. O sábio verdadeiro traz o Universo em si e considera-se cidadão da cidade de Zeus, que congrega deuses e homens. O Estado e as Leis positivas devem adaptar-se a esse modelo e o governante deve ser perfeito na palavra e na ação, seguindo o exemplo de Zeus.


Marco Aurélio: filósofo estóico e imperador de Roma. Nasceu em Roma, foi educado por seu avô, o cônsul Ânio Vero, depois foi adotado por Antonino Pio, de quem tomou o nome e que o designou seu sucessor. Subiu ao trono em 161, partilhando-o porém com outro filho adotivo de Antonino, Lúcio Vero, até a morte deste em 169. Governou em meio a grandes dificuldades, causadas principalmente pelas constantes sublevações dos bárbaros nas fronteiras do Império. Durante seu reinado foram realizadas profundas reformas legislativas. Deixou “Pensamentos”, escritos em grego, e outros escritos.


- Marco Aurélio defende a existência de um Estado romano e um Estado Universal: “todos os homens são irmãos, não pelo sangue, mas pela razão”. A afirmação de um Direito Natural baseado na razão e universalmente válido explica a influência exercida sobre os jurisconsultos romanos encarregados das reformas legislativas da época e o caráter humanitário, notadamente as relativas ao tratamento dispensado aos escravos. Para ele, o ato moral é o desenvolvimento da natureza universal do homem, “mesmo que os deuses nunca se ocupem da minha pessoa, sei que sou um ser racional, que tenho duas pátrias, Roma, enquanto sou Marco Aurélio, e o mundo, enquanto sou homem, e que o único bem é o que é útil às duas pátrias”.


- Os problemas éticos preocupam todas as fases do estoicismo. A moral estóica tinha como fundamento a necessidade do homem viver de acordo consigo mesmo, atuando de conformidade com a natureza racional, que é uma manifestação do espírito universal, da razão divina. A finalidade mais alta da vida humana é a prática da virtude, que pode ser alcançada através da limitação de todos os desejos e paixões, da serenidade (apatia). A ataraxia é um estado da tranqüilidade, um ponto neutro entre juízos contraditórios. Não negar, não afirmar. Tranqüilidade da mente entre a luta de doutrinas. A felicidade, identificada com a serenidade, nasce da apatia, libertando a alma de toda perturbação, libertando-a e levando-a a autárkeia (auto-suficiência).


A Filosofia do Direito, tem especial interesse a doutrina do direito natural apresentada pelos estóicos. O homem, enquanto parte da natureza cósmica, é uma criatura essencialmente racional. Existe, pois, um direito natural comum, baseado na razão atemporal do homem e do universo e, por isso mesmo, não se modifica no tempo e no espaço, portanto é universalmente válido.


O Direito Natural vale para todas as pessoas, inclusive para os escravos. O direito positivo, isto é, a ordenação estabelecida pelos Estados e governos, deve ser distinguida desse direito eterno. Acima da lei de cada país, existe uma lei natural universalmente válida. Para os estóicos, as legislações dos diferentes Estados não passam de imitações imperfeitas de um direito cujas bases estavam na própria natureza.


A participação comum de todos os homens na razão divina, no espírito universal, resulta em um princípio de igualdade fundamental, independentemente das diferenças estabelecidas pelas leis convencionais, concepção que levou os estóicos, em geral, a repudiar a escravidão. A liberdade da polis era política, mas a polis deixou de existir e sua realização não é mais política. Aumentou o número de cidades e a liberdade passou a ser encarada como algo subjetivo, uma liberdade interna.


Do mesmo modo que os cínicos, a escola pregava um universalismo de caráter cosmopolita, que refletia a situação política da época, com as cidades-estados gregas sendo absorvidas pelos impérios macedônicos e romanos. Bem, virtude, felicidade é viver de acordo com a natureza do universo.


Cada homem é um cidadão do mundo e não da cidade-estado. O mundo é a pátria de todos. O ideal último é o Estado universal, cosmopolis, fundado na igualdade, com as mesmas leis e os mesmos direitos, situação que já teria existido em um estágio anterior da vida humana, quando os homens viviam na mesma sociedade, sem distinção de classes, de fronteiras territoriais ou de direitos, realizando o ideal absoluto do direito natural. Esse estado primitivo foi destruído pela ambição e pela ânsia de poder, fazendo com que os homens criassem a propriedade particular e as diferenças sociais, abandonando o estado de natureza.


A mulher na República romana: Na República Romana, a mulher é definida no conflito entre a família e o Estado. O direito patriarcal se afirma paulatinamente: a propriedade privada e pportanto a família são a célula da sociedade e a mulher está estritamente escravizada ao patrimônio e ao grupo familiar.


O código romano restringiu os direitos da mulher invocando “a imbecilidade, a fragilidade do sexo”, no momento em que, pelo enfraquecimento da família, ela se torna um perigo para os herdeiros masculinos. A mulher passa a existência na incapacidade e na servidão, excluida dos negócios públicos e menor para a vida civil. O pater familias é, antes de tudo, um cidadão e tem autoridade absoluta sobre a mulher e os filhos. Administra-lhes a vida tendo em vista o bem público. O direito abstrato não basta para definir a situação da mulher que depende, em grande parte, do papel econômico que representa. O Estado vale-se da oposição entre pai e marido para restringir-lhe os direitos: é o Estado que julga os divórcios, adultérios, etc.


Na legislação imperial é abolida a tutela e o pai é obrigado a dar-lhe um dote, que com a dissolução do casamento não passa aos agnatos. O direito romano coloca, por um lado, a mulher independente da família, mas por outro, o Estado a coloca sob a tutela, sujeitando-a a várias incapacidades legais, recusando-lhe a iguladade em virtude do sexo. Negam-lhe a capacidade política.



Fonte: Fornecido por Jorge Sarmento.

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